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Antes de pensar em Pelé, Neymar precisa ser melhor que Marta

Renata Mendonça

14/02/2019 18h58

Foto: Damir Sagolj/Reuters

A revista Placar deste mês veio com uma capa para lá de polêmica. Com a imagem de Neymar vestindo a camisa 10 e um texto categórico logo abaixo da foto: "Uma década em que assistimos ao maior jogador brasileiro pós-Pelé desfilar seu futebol talentoso, alegre, campeão…e polêmico, claro!".

As discussões desde o lançamento da capa se multiplicaram nas redes sociais e nos programas esportivos. Muitos consideraram absurda essa colocação da revista – me incluo entre eles – e citaram que pelo menos quatro ou cinco jogadores estariam à frente de Neymar nesta imaginária lista dos melhores "após Pelé": Zico, Ronaldo, Romário, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho, não necessariamente nesta ordem, foram alguns dos nomes lembrados que ocupariam esse posto antes de Neymar.

E já que a capa é polêmica, há espaço para apimentar ainda mais esse debate. Para ser o melhor jogador do Brasil nesta era "pós-Pelé", Neymar não precisa apenas passar os jogadores acima mencionados. Nesse ranking, ele precisa ultrapassar também a maior jogadora de todos os tempos, Marta Vieira da Silva.

Foto: Divulgação Placar

Nem gosto de comparações entre futebol feminino e futebol masculino – as jogadoras também não, diga-se. Para mim, cada um deveria ter seu espaço, sua visibilidade e seu respeito (o que, infelizmente, ainda não acontece com o feminino). Mas já que essa lista também traz comparações cheias de incongruências e contextos distintos, analisando o futebol dos anos 1950, 1960, 1980, 1990, 2000 e 2010 e colocando tudo isso no mesmo pote, acredito que trazer Marta para essa "seleção" dos melhores do país na história também seria justo. E com ela na lista, Neymar definitivamente perde uma posição (mais uma).

Virão, como sempre vêm, os críticos dizer: mas o que a Marta ganhou? Muita coisa. Entre os principais títulos: Libertadores e Copa do Brasil pelo Santos (2009), Liga dos Campeões da Europa  pelo Umea IK, da Suécia, (2003-2004), dois ouros em Pan-Americanos (2003 e 2007), três títulos de Copa América (2003, 2010 e 2018), duas pratas olímpicas (2004 e 2008) e um vice-campeonato Mundial (2007) com a seleção brasileira. Além disso, nada menos do que seis, SEIS, troféus de melhor jogadora do mundo da Fifa (2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e 2018).

Mais: ela é a maior artilheira da história da seleção brasileira, com mais de 100 gols computados (e olha que a CBF nem contou direito todos os que a atacante marcou com a camisa amarela), ultrapassando Pelé, que dominava a lista com 95 em 114 jogos – detalhe, ela ultrapassou essa marca com menos partidas. Neymar, por enquanto ainda é o quarto dessa ranking (quinto, na verdade, considerando Marta no topo).

Quando a seleção masculina ia mal na Olimpíada, os torcedores passaram a torcer pela feminina em 2016 em exaltar Marta (Foto: Reprodução)

Falando do camisa 10 da seleção, vamos às principais conquistas dele: uma Copa do Brasil (2010), uma Libertadores (2011) – ambas pelo Santos -, uma Liga dos Campeões pelo Barcelona (2014-2015), e com a seleção uma Copa das Confederações (2013), uma prata (2012) e um ouro olímpicos. Lembrando que a disputa olímpica é pouquíssimo relevante no cenário do futebol masculino, com uma disputa entre seleções sub-20 e que muitas vezes não contam nem mesmo com os principais jogadores juniores de seus respectivos países – como foi o caso da Alemanha que disputou a final no Maracanã em 2016. Aliás, se não fosse sede da Olimpíada naquele ano, o Brasil sequer teria se classificado para a disputa.

E diante de tudo isso, Neymar não conseguiu ainda chegar a conquistar o prêmio de melhor do mundo. Neste ano, sequer ficou na lista dos 10 melhores.

Sim, os contextos são diferentes. Assim como são muito diferentes para comparar Neymar a Zico, outro que também não tem o prêmio de melhor do mundo no currículo, e até para encontrar critérios que façam sentido para uma lista como essa. Mas se é para fazê-la, vale também lembrar o sucesso do que Marta conquistou até aqui, tanto dentro de campo, quanto fora dele. Talvez a maior conquista dela como jogadora nem sejam os troféus levantados, mas principalmente o reconhecimento que trouxe para a modalidade pela qual tanto luta. Já é possível dizer que há um futebol pré e outro pós Marta entre as mulheres. Uma importância que não pode ser descartada – que, aliás, deveria ser destacada, mais ou tanto quanto a história que Neymar tem escrito nos gramados.

Marta tem seis prêmios de melhor do mundo (Foto: Ben STANSALL / AFP)

Protagonismo em campo, Marta também tem. Genialidade? Ela sobra. Golaços? Ela coleciona. E humildade é o que ela carrega desde o berço quando insistia em jogar bola com os meninos em Dois Riachos mesmo sob os comentários maldosos ao redor. Foi seis vezes melhor do mundo – o que também mostra a consistência de seu futebol em todos esses anos – e desabou a chorar em todos os discursos que fez no palanque da Fifa para exaltar a luta de outras mulheres que, como ela, insistiram no futebol apesar de tudo.

Esse post não tem a intenção de desmerecer Neymar. Só tem a intenção de enaltecer Marta. Ela que merece todos os louros por ter conquistado o que conquistou, chegado onde chegou, jogando contra, literalmente, tudo e todos. Os adversários em campo eram o de menos. Pior mesmo era enfrentar os ruídos de fora dizendo que uma mulher jamais poderia jogar futebol. Os campeonatos que fechavam as portas para ela. A falta de perspectiva que o futebol oferecia para uma garota que só sonhava em poder jogar bola em paz. Se isso já não faz Marta entrar nessa lista – e até nessa discussão -, não dá para imaginar o que mais ela precisa fazer para ter o reconhecimento que sempre mereceu.

*Sugestão da pauta: Kaue Vezentainer

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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