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Marta, seis vezes melhor do mundo: a artilheira dos gols não contabilizados

Renata Mendonça

25/09/2018 11h40

(Foto: Ben STANSALL / AFP)

Na noite da última segunda-feira, não houve como fugir do nome dela. Até mesmo nesta terça, Marta vive seu momento de glória estampando as manchetes de todos os jornais. Seis vezes melhor do mundo, o hexa veio com ela no prêmio "The Best" da Fifa para coroar um trabalho que a atacante já faz há pelo menos 15 anos no futebol – sua primeira indicação, afinal, veio em 2003, aos 17 anos, quando já brilhava com a camisa do Brasil.

E Marta merece mesmo ser reverenciada sempre por toda essa história que construiu com a bola nos pés. O problema é só que nem toda essa história está guardada e/ou documentada. Mesmo ela sendo um ícone recente do nosso futebol, não há registros de todos os gols que fez com a camisa da seleção. Seleção essa da qual Marta é a maior artilheira, tendo marcado mais gols até mesmo que Pelé, o craque do futebol masculino com o qual tanto a comparam. O que se sabe é que ela já tem mais de 100 gols com a camisa amarela, mas nem a própria CBF tem os números exatos da nossa eterna camisa 10 em campo.

"No começo, a CBF talvez não tivesse nessa época aquela preocupação com os registros. Mas hoje temos um historiador que está fazendo um resgate disso. Hoje guardamos tudo, registro das súmulas, todos os documentos estão sendo arquivados. Mas realmente até pouco tempo atrás não sabíamos quantos gols a Marta tinha, agora que estamos buscando tudo isso", afirmou às dibradoras Marco Aurélio Cunha, coordenador de futebol feminino da entidade.

"Foi até um pouco difícil fazer o que queria fazer pra Marta quando ela completou 100 gols, porque havia dúvida em relação a estatística. Já estamos tentando correr atrás desse prejuízo", completou.

Um pouco da história do futebol feminino no Brasil esteve presente em Londres na premiação: Sissi, Marta e Aline Pellegrino (Foto: Arquivo Pessoal)

Conhecer o passado é fundamental para construir o futuro e alimentar o presente. Saber quantos gols a maior artilheira da história da seleção já fez é essencial não só para podermos reverenciá-la como merece, como também para as craques da nova geração terem esse número como meta para fazerem sua história no futebol. Da mesma maneira que Pelé, Garrincha, Zico, Sócrates e outros tantos serviram de inspiração para os jogadores que os sucederam, é crucial que as mulheres tenham suas próprias referências, saibam quem foi Sissi, Formiga, Kátia Cilene, Pretinha e as outras tantas que fizeram a história do futebol feminino por aqui.

E olha que essa história é recente, vem de um tempo moderno em que já existia televisão, computador e outras tantas facilidades que tornariam o trabalho de guardar essas memórias algo muito mais simples. No entanto, quando você vai buscar os registros nos arquivos, há mais memórias sobre a Copa do Mundo de 1930, a primeira organizada pela Fifa para os homens, do que sobre o Mundial de 1988 na China, o primeiro a ser disputado por elas. A primeira seleção brasileira da história formada há exatos 30 anos tem pouquíssima memória guardada – o próprio Museu da seleção, que fica na sede da CBF no Rio de Janeiro, não tem registros dela.

"Depois que o Museu foi composto, começaram a fazer, tem algumas coisas do Pan (de 2007, quando a seleção feminina foi campeã no Rio de Janeiro). Mas ele é um museu mais interativo, audiovisual, e tem muita coisa das Copas do Mundo masculinas, porque era o que havia de grande notícia na época. Agora, o que a gente está tentando fazer é ter esse acervo. Toda medida que seja de resgate ao passado nós temos que fazer, é nossa obrigação reverenciar quem foi importante. Naquela época não tinha essa preocupação, era amador total", explicou Marco Aurélio Cunha.

Os registros do futebol feminino no Brasil são realmente escassos, ainda mais quando comparados a tudo o que se tem do masculino. No "Primeiro Encontro da Rede de Futebol e Mulheres da América Latina" realizado no Museu do Futebol em São Paulo nesta segunda-feira, Lu Castro, jornalista e curadora de exposições de futebol feminino no Sesc, contou sobre as dificuldades de encontrar informações e documentos do passado nem tão longínquo da modalidade.

"Fui curadora de uma exposição que tinha por objetivo mostrar os 60 anos da primeira Copa do Mundo conquistada pelo Brasil em 1958, e os 30 anos da primeira seleção feminina formada aqui. De 1958, nós conseguimos muitas fotos, até algumas imagens em vídeo, muita coisa está documentada. Mas quase não se tem registro daquele Mundial de 1988 na China. Não há nenhum vídeo, nada. O que conseguimos veio das próprias atletas que estiveram lá", contou.

Museu da Seleção Brasileira na CBF quase não tem informações sobre a seleção feminina (Foto: Divulgação Museu)

O próprio Museu do Futebol teve a dificuldade de resgatar a história do futebol feminino quando inseriu a modalidade em suas salas no ano de 2015. Os primeiros registros que encontraram vieram das páginas policiais dos jornais antigos, já que por 40 anos (de 1941 a 1979), o futebol feminino foi proibido no país. Depois, foram as próprias atletas que ajudaram a contar sua história, já que nem a CBF mantinha um acervo delas guardado.

Acervo de jornais é mantido pelas próprias jogadoras da época (Foto: dibradoras)

Não é coincidência que não tenhamos guardado as memórias da primeira seleção de futebol feminino, e que não tenhamos contabilizado todos os gols que Marta já marcou pela seleção. É simbólico. Esses registros não existem porque nunca ninguém viu qualquer relevância neles. Ninguém se importou em anotar lá os gols que Marta fez na sua primeira Copa do Mundo sub-20, porque ninguém imaginou que um dia estaríamos celebrando o hexa que ela trouxe – o de seis vezes melhor do mundo.

Ninguém nunca quis contar a história do futebol feminino no Brasil. Uma pena, porque agora o futebol feminino é a história. Quiseram invisibilizá-lo por muito tempo, mas hoje não há nada mais visível do que isso: seis vezes Marta, essa contagem é bom a gente nunca perder de vista. O resto é, literalmente, história – que essa ao menos fique registrada para sempre.

 

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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