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A experiência do futebol pelos olhos de quem foi ao estádio pela 1ª vez

Renata Mendonça

27/08/2018 14h19

    Foto: Arquivo Pessoal

Ainda me lembro com detalhes da primeira vez que fui ao estádio. Eu não era tão nova, tinha entre 11 e 12 anos, então já tinha mais consciência do que presenciaria ali. Mas, admito, a experiência superou todas as minhas expectativas.

Lembro quando subi a rua cheia de gente com a mesma camisa que eu, a ansiedade por passar logo pelo portão e viver o jogo como nunca havia visto antes. Lembro da minha pupila, que nunca dilatou tanto quanto quando avistou o gramado de tão perto. O tremor que vinha embaixo dos pés de uma arquibancada que pulsava no ritmo do meu coração naquele momento. Boquiaberta que estava, impressionada pelo tamanho do campo, do estádio, de tudo, lembro exatamente da primeira coisa que pensei quando saí de lá: quando será o próximo?

Giovanna, de 4 anos, no colo do pai, Guilherme, vivendo a experiência da torcida do Flamengo no Maracanã

No último domingo, pude ver muitas crianças no Morumbi tendo essa mesma experiência pela primeira vez. Um jogo às 11h da manhã possibilita mais isso, inclusive, e era muito fácil notar a presença massiva de famílias inteiras, com filhos (as) de todas as idades ocupando as arquibancadas – algo que não é tão comum em jogos que acontecem em outros horários. O melhor de tudo: notamos, principalmente, a presença de muitas meninas, que ali estavam tendo a chance de viver a experiência do futebol por completo – algo que eu demorei até a adolescência para conseguir.

Moacyr, por exemplo, levou pela primeira vez as filhas Valentina, de 5 anos, e Rafaela, de 2, ao lado da esposa, Carol. As meninas vibraram demais com o gol de Bruno Peres no segundo tempo – ainda que Rafa ainda não consiga entender direito o que ele significava.

Carol, à esquerda, com Rafaela no colo e Moacyr e Valentina à direita (Foto: dibradoras)

Marina, por sua vez, já havia feito sua estreia no estádio antes, mas, aos 4 anos de idade, começa a entender um pouco do que está fazendo lá.

"Ela foi ao estádio pela primeira vez com 2 anos e meio, e depois vou com ela pelo menos uma vez por ano. Primeiro começou com algo muito lúdico, mas agora ela já começa a entender os conceitos básicos do futebol", explicou o pai, Jorge.

"Hoje ela tem noção de quem é o 'time dela', de que tem um time adversário, que tem gol, um time vence, outro perde. Ela fica muito ansiosa para ver um gol, mas ainda não se importa se foi gol do time dela ou não. Ela gosta muito da festa, de ver o estádio lotado e se empolga com o barulho do 'uuuuhhhh' de um quase-gol", contou ele, que nunca hesitou em levá-la aos jogos.

Que interessante deve ser a experiência de "apresentar o futebol" a uma criança. Vê-la descobrindo as dores e as delícias de se torcer para um time. Acompanhar cada passo da relação que ela começa a construir com aquele que é nossa maior paixão. O problema é que, na maioria das vezes, isso acaba acontecendo sempre com os meninos – e quase nunca com as meninas.

Marina, de 4 anos, já vai ao estádio desde os 2

Eu mesma tive que "brigar" com meu pai para que ele me levasse a um jogo. Não porque ele achava que estádio não era lugar para mim, mas porque simplesmente tinha a ideia na cabeça de que "eu não me interessaria" – ainda que eu estivesse sempre na sala vendo os jogos com ele e com meu irmão pela TV. Ao que parece, não é "natural" convidar as meninas a gostarem também de futebol.

Mas isso, ainda bem, está começando a mudar. O próprio Moa, pai de Valentina e Rafaela, sempre sonhou em ter um menino para passar para ele sua paixão pela bola. Jogador de futebol nos tempos de juventude, ele gostava da ideia de poder ensinar um filho a jogar e levá-lo para o estádio para torcer. Só que, por ironia do destino, talvez, hoje ele tem duas meninas. E as duas são tão apaixonadas por futebol quanto seu filho provavelmente seria.

"Sabe aquele sonho de ter um menino para jogar bola e ir ao estádio contigo? Então, isso é pura fantasia, porque não importa o sexo do seu filho. Seus sonhos e desejos podem se realizar independente do gênero. Ontem vi minhas meninas gritando e pulando mais que muitos garotos que estavam no estádio. Foi muito intenso e inesquecível", descreveu ele às dibradoras.

"Construo esta relação do futebol com elas desde bebês e posso garantir que elas gritam 'Pão Paulo' desde os 2 anos – elas gritam pão em vez de São, diz Moacyr, aos risos.

É até engraçada a maneira como a gente relaciona gostos ao gênero. Como se fosse um cromossomo x ou y que fosse determinar se a criança vai gostar de futebol, de balet, de carrinho ou de boneca. Quando, na verdade, o que determina se a criança vai jogar bola ou vibrar na arquibancada depende muito mais de você (pai ou mãe) do que do gênero dela. Fico pensando que se o futebol fosse apresentado da mesma maneira para meninos e meninas, com certeza muito mais delas se interessariam em torcer, em jogar e em participar.

Valentina com a bola nos pés (Foto: Arquivo Pessoal)

Ao ver essas meninas no estádio, lembrei muito a minha primeira experiência na arquibancada. Os olhares impressionados, o sorriso inevitável e a vibração na hora do gol foram exatamente os mesmos de qualquer pessoa (pessoa mesmo, sem gênero ou idade) teria ao presenciar tudo aquilo pela primeira vez.

Gabriela, por exemplo, tem 20 anos e também vivia aquilo de forma inédita ao lado da irmã, de 6. Ela compartilhou com a menina as mesmas emoções que só aqueles 90 minutos podem proporcionar.

"Foi maravilhoso, é uma sensação inexplicável. Chegava até a arrepiar quando a torcida começava a cantar! Nossa família é toda são-paulina, e nosso tio Adilson (o que levou a gente no jogo) sempre incentivou a gente pra ser são-paulinas também, então esse amor pelo futebol vem desde pequenas", afirmou.

O pai Moacyr com a filha Valentina (Foto: Arquivo Pessoal)

O estádio, afinal, é o lugar onde conseguimos viver e respirar o futebol por essência (ainda). Entendemos o que é torcer, o que é sofrer e o que é a maior felicidade instantânea do mundo, que apenas um gol pode proporcionar. Entendemos o valor de um abraço em pessoas completamente desconhecidas que se conectam tão intensamente nos minutos de uma comemoração, por causa de um sentimento (um time) em comum.

São os 90 minutos mais intensos que podemos viver e é só ali que conseguimos entender plenamente por que tudo aquilo "não é só futebol". Há algo muito maior envolvido – e todo mundo merece ter a chance de vivenciar isso, independente de gênero, idade, raça, classe ou orientação sexual.

Hoje, depois de cada ida ao estádio, eu só consigo pensar que futebol é algo muito doido mesmo – e azar (muito azar) de quem não gosta.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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