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Elas ocuparam as quadras de SP e levaram o basquete para muitas mulheres

Roberta Nina

09/08/2018 09h51

Magic Minas na companhia da ex-jogadora Magic Paula em ocupação da Praça Rotary, em São Paulo (Foto: Reprodução/Magic Minas)

Ocupar espaços públicos para praticar esportes coletivos não é tarefa fácil em São Paulo – especialmente para as mulheres. Não há uma cultura e conhecimento por grande parte da população para reforçar a ideia de que aquela praça, aquela rua, aquele parque é de todos nós.

Dados do IBGE apontam que 83% das mulheres acima de 15 anos não pratica nenhum esporte, mas em 2016, um grupo de garotas decididas a jogar basquete começaram a se reunir em uma quadra de um prédio da Vila Mariana.

As primeiras cestas foram feitas por cerca de nove garotas, mas logo no primeiro semestre de 2017, o time quis ir além. "Jogamos por muito tempo com três, quatro meninas, no prédio. O grupo todo tinha umas nove, mas jogava quem podia na semana e ia sempre pouca gente", nos contou Mariana Campanatti, uma das jogadoras que cedia a quadra onde morava para os treinos.

O grupo cresceu e hoje treina em três endereços diferentes, Mariana Campanatti com o filho Francisco no colo (Foto: Reprodução/Instagram Magic Minas)

Elas foram atrás de uma treinadora para aperfeiçoarem o jogo e com um post no Facebook decidiram recrutar mais adeptas. O ideal seria atrair mais cinco ou seis participantes, mas o resultado foi muito além do esperado e cerca de trinta mulheres demonstraram interesse em jogar basquete.

A quadra do prédio ficou pequena diante do novo cenário e foi assim que as Magic Minas partiram em busca de um novo garrafão para converter seus arremessos.

"A quadra do prédio era ideal para jogar até, no máximo, 3×3. Mapeamos mais de 50 quadras em São Paulo e além do alto preço para alugar, encontrávamos outros problemas. Ou a quadra não tinha aro, ou era muito escura, ou não estava em local acessível e etc. Encontramos a Praça Rotary que unia esses pontos que buscávamos e que também nos dava segurança por lá", afirmou Mariana.

Ocupação da Praça Rotary

Se você é mulher e ainda por cima deseja praticar esporte em um espaço público, a dificuldade aumenta. Isso porque são poucos os grupos femininos que se reúnem com certa frequência para realizar alguma atividade coletiva (exceto times de futebol onde mulheres alugam quadras para jogar) e dados de uma pesquisa recente mostra muito bem essa realidade.

A Pesquisa de Confiança e Puberdade encomendada pela Always e divulgada em 2016 apontou que no Brasil, 53% das meninas terão abandonado o esporte até o fim da puberdade. Além disso, 74% das meninas sentem que a sociedade não as incentiva a praticar esportes.

Às segundas, as Magic Minas treinam na Praça Rotary, na Santa Cecília em São Paulo (Foto: Magic Minas)

Dispostas a marcar território e fazer com que a prática do basquete fosse constante e de fácil acesso, as Magic Minas organizaram uma grande ocupação e com o boca-a-boca entre as amigas e um evento criado no Facebook, convocaram mulheres (praticantes ou não de esportes) para se juntarem ao bonde que ocuparia uma quadra pública, localizada na Santa Cecília, em São Paulo.

A decisão foi tomada após diversas tentativas de acordos entre elas e os garotos que passavam horas jogando futsal no mesmo espaço e não cumpriam o trato de liberar a quadra para que as meninas pudessem jogar basquete apenas nas noites de segunda-feira.

No dia 10 de julho de 2017 mais de 100 mulheres foram até a Praça Rotary dispostas a ocuparem seu espaço. Entre as participantes, uma presença mais do que especial chamou a atenção. Magic Paula, campeã mundial de basquete e medalhista olímpica se juntou à turma de mulheres e no horário marcado, fez questão de pisar na quadra ao lado delas.

Os meninos, acuados e surpresos, foram obrigados a compartilhar o espaço com as minas. Um grande jogo aconteceu entre as presentes, Paula distribuiu seus magic-passes, além de autógrafos, discurso e palavras de incentivo.

"Parece incrível que em 2017 a gente ainda encontre meninos que não queiram dividir espaço com as meninas – não só na quadra, como na vida", postou Paula na ocasião, em uma de suas redes sociais

A ocupação foi um marco na história das Magic Minas e, além da praça, o grupo conquistou mais dois locais para a prática do esporte. A secretária adjunta municipal de Esportes, Daniela Castro, que esteve na ocupação, viabilizou para o time o uso da quadra no Parque da Aclimação com isenção de taxa. A utilização da quadra no CE Mané Garrincha, por sua vez, foi resultado do apoio da Magic Paula, que requisitou à Prefeitura de São Paulo que o grupo tivesse acesso a uma quadra coberta.

O esporte transforma

Hoje, o time de basquete conta com cerca de 100 minas que treinam constantemente e no grupo do Whatsapp – onde acontecem as chamadas para os treinos – mais de 300 mulheres fazem parte.

Treino do grupo no Parque da Aclimação com a ex-jogadora Alessandra (Foto: Magic Minas)

Quando a mobilização das mulheres começou, Mariana estava grávida do Francisco, seu primeiro e único filho. Depois que ele nasceu, Mari enfrentou o puerpério, o período que abrange o nascimento do bebê e segue geralmente até a primeira menstruação da mulher pós-parto. Durante o puerpério a mulher passa por muitas alterações hormonais, físicas e emocionais.

"Nessa fase, vivi um isolamento muito grande, a função era absolutamente exaustiva, eu não me reconhecia mais, os amigos ficaram distantes e foi uma fase bastante difícil pra mim", revelou Mari.

Quando cedeu a quadra de seu prédio para os treinos, Mari viu ali uma saída para se relacionar com outras pessoas e ter uma atividade diferente da maternidade exercida diariamente. "Eu dava de mamar para o Chico, ele dormia e eu podia jogar um pouco. Esse tempo jogando basquete foi um resgate pra mim. Saí um pouco daquele universo repleto de leite, fraldas e cuidados sem fins com meu bebê e separei um momento pra mim", revelou.

"A maternidade é linda e deliciosa, mas é difícil e muito intenso. Eu sempre fui muito ativa na prática de exercícios e depois de muito tempo sem jogar, levando em conta a gravidez e o pós-parto, eu precisei reconhecer meu corpo novamente"

O basquete se tornou sagrado para Mariana pelo menos uma vez por semana, proporcionando melhora no condicionamento físico e auxiliando a parte mental também. "Sou muito grata ao movimento das Magic Minas. Hoje o Chico tem dois anos e meio e ele tinha apenas três meses quando comecei a jogar. Foi muito especial pra mim e segue sendo sagrado meus encontros com o basquete", contou Mari.

Hoje, os treinos das Magic Minas conta com visitas fofas do Chico, filho da Mariana (Foto: Magic Minas)

Outra mina que tem o basquete como prioridade na vida é Priscila Regina, que conheceu o grupo na ocupação e hoje é uma das responsáveis pelos treinos do grupo. "Comecei a jogar basquete na escola e fui indicada para fazer uma peneira em um projeto social do CEPE-USP (Centro de Práticas Esportivas). Neste local passei minha adolescência e aprendi a amar o basquete, esse jogo que nos desafia a todo momento", disse.

A história de Priscila tem um final feliz por conta do basquete. Foi o esporte que a encorajou e lhe deu confiança dentro e fora das linhas. "Minha vida mudou completamente. A menina que não estudava, que era gaga, que não se aceitava diante de uma sociedade cruel, que não tinha controle emocional, que se sentia perdida diante das situações da adolescência, mudou por causa do basquete", afirmou.

(Foto: Divulgação)

"O jogo me ensinou a lidar com regras, com diferenças, com a relação com o outro, me deu base e estrutura. Graças a esse esporte eu terminei meus estudos em escola particular com 100% de bolsa-auxílio. Fiz um cursinho preparatório para o vestibular também com bolsa de 100% e foi um momento muito importante pra mim, porque aprendi muito conteúdo escolar que não sabia por conta dos vários anos que estudei em escola pública", recorda Priscila.

Por conta do basquete, Priscila viveu em outra cidade, experimentou a experiência de morar em uma república como atleta, viajar e cursar Educação Física na Universidade Presbiteriana Mackenzie, também com o auxílio do bolsa-atleta.

Aos 34 anos, Priscila trabalha como educadora no Instituto Passe de Mágica e diz ser fã de carteirinha de sua chefe, a campeã Magic Paula. "Desde pequena assistia aos jogos da Paula e ela sempre foi minha inspiração em dedicação e amor ao basquete".

Priscila como educadora no Instituto Passe de Mágica (Foto: Divulgação)

No trabalho, Priscilla é a responsável pela iniciação ao basquete com crianças de 6 a 15 anos e fora dele também faz parte do grupo Rachão do Basquete Feminino, onde mulheres lutam pelo empoderamento feminino no basquete em locais públicos.

"Amo minha profissão e acredito no desenvolvimento humano a partir do esporte, afinal sou fruto dele. Sinto que preciso devolver ao basquete tudo o que sou hoje e preciso fazer pelo outro o que fizeram por mim", conclui.

Como participar dos treinos das Magic Minas:

Segundas-feiras, das 20h às 22h, na Praça Rotary, Vila Buarque. Entrada pela Rua Major Sertório, 524-620. Valor simbólico é cobrado.

Quartas-feiras, das 19h30 às 21h30, na quadra do Estádio Municipal Jack Marin, ao lado do portão principal do Parque da Aclimação. Entrada pela Rua Muniz de Souza, 1119 (Contornando o Colégio Pueris Domus). Treino gratuito.

Sextas-feiras, das 20h às 22h, no Centro Esportivo Mané Garrincha, Ibirapuera. Entrada pela Rua Pedro de Toledo, 1651. Valor simbólico é cobrado.

Aqui neste vídeo, indicamos coletivos femininos para mulheres que desejam praticar esporte:

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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