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De jogadora a assistente técnica: a importância de Daniela Alves na Sub-20

Roberta Nina

03/08/2018 15h12

A ex-jogadora Daniela Alves (de branco) é auxiliar técnica do treinador Doriva Bueno (Foto: CBF)

No dia 05 de agosto a seleção brasileira feminina entra em campo para disputar o Mundial Sub-20 de Futebol pela nona vez. E Daniela Alves estará presente no campeonato de base pela quinta vez: três como atleta e em duas ocasiões como parte da comissão técnica da CBF.

A ex-jogadora é assistente do treinador Doriva Bueno e ocupa o cargo desde 2016. Dani começou a jogar bola em São Paulo e tem a história parecida com a de muitas meninas: seus primeiros dibres aconteceram na rua, ao lado dos meninos.

"Derramei muitas lágrimas para poder jogar futebol", nos contou a atleta sobre como precisou convencer sua família a deixá-la praticar o esporte (você pode ouvir o podcast em que entrevistamos a ex-jogadora aqui).

Daniela Alves quando defendeu o São Paulo, ao lado de Maurine e Juliana Cabral (Foto: Acervo Museu do Futebol)

Após diversas peneiras, seu primeiro clube foi a Portuguesa e dali em diante, a carreira decolou. Passou pelo Saad e pelo São Paulo, e também viveu a experiência de jogar fora do país, nos Estados Unidos (Saint Louis Athletica) e Suécia (Linköpings FC).

Pelo Brasil, Daniela disputou três Olimpíadas (2000, 2004 e 2008) conquistando a medalha de prata nas duas últimas edições, em Atenas e em Pequim. Disputou os Mundiais de 2003 e 2007, este em que também foi vice-campeã com a seleção brasileira.

A seleção feminina em Atenas, em 2004 (Foto: Acervo/Futebol Feminino)

Foi medalhista de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio de Janeiro, marcando seis gols na competição. Daniela também já foi considerada como a sexta melhor jogadora do mundo pelo ranking da FIFA, na temporada 2007/2008.

Em 2009, aos 25 anos, Dani se despediu dos gramados de maneira bem traumática. Jogava a liga norte-americana e, durante uma partida contra Washington Freedom sofreu uma entrada violenta de Abby Wambach que fez com que rompesse os dois ligamentos do joelho e fraturasse a tíbia. "Wambach me deu uma entrada criminosa porque queria me tirar daquele jogo, mas acabou me tirando do esporte", nos disse em 2016, durante entrevista em nosso podcast.

Com todo o trauma causado por uma lesão (cirurgias, dores e sessões de fisioterapia), Daniela Alves se afastou do futebol e sua carreira foi encerrada precocemente. Para conseguir renda e movimentar a vida após anos como atleta, aos 26 anos a jogadora trabalhou no açougue da família, na Zona Sul de São Paulo.

O retorno de Daniela Alves ao futebol começou em 2015, quando foi homenageada pelo Museu do Futebol durante o ciclo de palestras "Visibilidade Para o Futebol Feminino". Em uma das ocasiões, Dani foi uma das palestrantes e pode perceber o quanto era admirada e como sua história no futebol tinha valor.

Juliana Cabral, Daniela Alves e Rosana na chegada ao Brasil após a conquista da medalha de prata (Foto: Acervo Museu do Futebol)

Com a vontade de retornar ao futebol, Dani entrou em contato com o Acadêmico Cidade Dutra F.C – o primeiro time em que jogou antes de chegar à Portuguesa – e se ofereceu como professora de futebol para crianças. E foi assim que voltou aos gramados, se libertando dos traumas e matando a saudade do local onde passou a maior parte de sua vida.

Com a ajuda da jornalista Lu Castro, Dani começou a participar de programas de TV e a comentar jogos da seleção brasileira para algumas emissoras. Chamou a atenção da comissão sub-20 e recebeu o convite da CBF para ser auxiliar o técnico Doriva Bueno.

Hoje, Dani sonha em conquistar títulos como parte da comissão técnica da seleção e sua presença na equipe de trabalho sub-20 é muito significativa para quem vestiu a camisa verde e amarela ainda tão jovem. Daniela é a pessoa ideal para o cargo e por transferir toda a sua experiência para as jogadoras mais novas, preparando-as para a transição para a equipe principal.

"Sou realizada, poder ter feito parte de todas as conquistas importantes da seleção brasileira como atleta, e hoje poder passar tudo isso para elas. Se Deus quiser, vamos ser campeãs e elas poderão sentir o gosto bom de ganhar. Só posso afirmar uma coisa: eu sou muito feliz por fazer parte deste elenco maravilhoso. Vamos em busca da taça", nos disse em entrevista ao portal.

Seleção brasileira

Habilidosa e goleadora, Daniela chamou a atenção da seleção brasileira muito cedo e com 15 anos, foi convocada para vestir a camisa da equipe principal do Brasil. Por ser muito jovem, não foi autorizada a disputar a primeira Copa do Mundo em 1999.

Apesar de não ser o ideal, hoje em dia é muito raro encontrar jovens talentos que possam servir a seleção principal antes dos 18 anos. Tem sido cada vez mais difícil encontrar jogadoras diferenciadas – como Marta, Cristiane e a própria Daniela Alves – que chamaram a atenção da seleção principal ainda muito jovens.

Andréia Suntaque, Daniela Alves, Tania Maranhão, Formiga e Cristiane (Foto: Acervo Museu do Futebol)

Vale ressaltar que na época em essas jogadoras despontaram, o futebol de base estava nascendo, entre 2002 e 2003. Jogadoras de gerações posteriores já tiveram a oportunidade de começar a trajetória nas equipes sub-17 e sub-20 até chegar à seleção principal, como aconteceu com Fabi Simões, Francielle, Mônica, Maurine e Érika.

Recentemente, Gabi Nunes – depois de disputar o Mundial Sub-17 e Sub-20 – estreou na seleção principal, aos 19 anos, em dezembro de 2016, no Torneio Internacional de Manaus sob o comando de Emily Lima.

Daniela Alves foi um ponto fora da curva e chegou precocemente à seleção. Em 2002, na primeira edição da Copa Sub-20, o torneio era na verdade para atletas com idade máxima de 19 anos. E Dani estava lá, aos 18 anos e com muita experiência já adquirida. Vestia a camisa 5, jogava ao lado de Marta e Cristiane e era uma jogadora fundamental para o time.

Equipe brasileira no primeiro Mundial sub-20 em 2002 (Foto: Reprodução/Melhores da base)

Nas quartas-de-final, o Brasil enfrentou a Austrália e, na prorrogação, foi Daniela Alves quem marcou o gol da vitória por 4×3 da seleção.

"Eu ainda tenho essa bola como um troféu na minha casa. Eu não senti tanta pressão, já fazia parte da seleção principal desde 1999, com 15 anos. Em 2002 eu já era 'experiente'. Mas foi muito bom e importante fazer parte desta equipe e ajudar a prepará-las um pouco para a transição sub-19 principal", nos disse Daniela.

A equipe terminou a competição em quarto lugar, mas esta talvez tenha sido a geração que mais tenha rendido bons frutos – Marta e Cristiane, por exemplo, são importantíssimas para a seleção e estão jogando até hoje.

Em uma época em que nem se pensava em categorias de base para o futebol feminino, jogadoras talentosas entravam em campo munidas apenas de seus dons e habilidades.

Dani Alves como auxiliar técnica da seleção sub-20 (Foto: Lucas Figueiredo/CBF)

"O preparo de hoje não se compara com o de 2002, quando a FIFA criou o primeiro sub-19. Hoje, o profissionalismo e o staff são outros, a competência, o suporte de outros profissionais na comissão técnica como fisiologia, analista de desempenho e psicologia, por exemplo. Sem falar na experiência desta comissão técnica com outros Mundiais, conhecimento e estudo dos adversários", comparou Daniela.

Por entrar em campo contando apenas com o talento e pouca dedicação ao físico e ao psicológico, muitas vezes a diferença com relação ao preparo de outras seleções era sentido em campo. Desgaste físico e principalmente emocional já fizeram a seleção sofrer com disputas longas, que iam além dos 90 minutos.

Sub-20 em treinamento para o Mundial na França (Foto: CBF)

"Hoje o preparo das nossas atletas é acompanhado por um psicólogo e também de muito treinamento. Isso que dá confiança a elas para saber o que tem que ser feito e a melhor maneira de realizá-lo", relata a ex-jogadora.

Nas últimas três edições do Mundial Sub-20 (2010, 2012 e 2014), a seleção feminina não conseguiu passar da primeira fase. Mas Daniela aposta muito nesta geração e afirma que o time está preparado fisicamente e mentalmente.

"Esse elenco está bem preparado e maduro. Não são meninas e sim mulheres muito bem treinadas, confiantes e sabendo o que têm que fazer. Podemos esperar um futebol bem jogado, hoje nosso time tem sua identidade e posso te dizer: é lindo de vê-las jogar", afirmou a auxiliar técnica.

Seleção sub-20 em amistoso preparatório para o Mundial (Foto: Sam Ortega/CBF)

Sem destacar uma jogadora em especial, Dani afirma que o conjunto todo é muito competente. "O nível não muda quando se troca uma peça, por isso eu posso afirmar, nosso elenco se destaca".

O investimento na base é fundamental para o desenvolvimento de novas atletas, mas o trabalho da CBF é muito árduo porque não há clubes formadores no futebol feminino – com raríssimas exceções como o Centro Olímpico (SP) e o Vasco da Gama (RJ). O próprio Santos Futebol Clube, que tem uma história de muita tradição no futebol feminino, criou o departamento de base recentemente, em 2017.

As campeãs sul-americanas no Equador, em 2018 (Foto: Fernanda Coimbra/CBF)

A CBF promove peneiras e a comissão técnica precisa realizar trabalhos de observação em diversas regiões do país na busca por meninas que tenham aptidão e desejem jogar futebol.

"Infelizmente ainda no nosso país isso tem que ser imposto, só assim para os clubes montarem suas equipes femininas. Futebol feminino está em evolução. Nós chegamos a observar cerca de 80 atletas ao longo das etapas de treinamento, além disso, fomos assistir a diversos jogos para chegar às melhores do país aqui conosco hoje", afirmou a ex-jogadora.

(Foto: Reprodução/CBF)

O Mundial Sub-20 terá transmissão do Sportv e da TV Bandeirantes. A estreia da seleção brasileira será no domingo (05 de agosto), às 8h30 da manhã (horário de Brasília) contra o México.

Para saber mais sobre o histórico do Brasil na competição, clique aqui.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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