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Futebol pode ser mais diverso: mulheres conquistam espaço nas transmissões

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14/08/2020 04h00

Foto: Arquivo Pessoal

Quem acompanhou o início do Campeonato Brasileiro nesta semana notou uma coisa diferente nas transmissões: vozes femininas foram muito mais frequentes do que costumam ser. A começar pelo jogo exibido na Globo no domingo entre Flamengo x Atlético-MG, com a narração de Luis Roberto e os comentários de Ana Thais Matos. No campo, Julia Guimarães trazia as informações dos dois times. No intervalo, a repórter Amanda Kestelman apareceu com as últimas notícias do esporte.

Em seguida, no jogo entre Grêmio e Fluminense, no Sportv, mais três mulheres na transmissão: a estreia da Dibradora Renata Mendonça nos comentários e de Nadine Basttos na Central do Apito, enquanto Paula Menezes era a repórter no gramado. Há quem tenha assistido a esses jogos e achado "estranho" tantas mulheres falando de futebol na TV.

Mais estranho que isso é a gente ter passado tanto tempo achando "normal" ver futebol sob a mesma (e única) ótica: a do homem branco. Isso era algo tão "aceito", tão banal, que sempre aconteceu e nunca ninguém se perguntou: "por que não há mulheres ali?". Nós mesmas passamos a infância toda vendo programas esportivos exclusivamente masculinos, transmissões exclusivamente masculinas, e até pouco tempo atrás, "não reparávamos" que faltava alguma coisa ali. Se o futebol era de todos, dos homens, das mulheres, dos brancos, dos negros, por que na TV ele parecia ter a mesma cara, a mesma cor?

(Foto: Fox Sports/Divulgação)

Nos últimos anos, essa foi uma discussão que ganhou coro nas redes sociais. O espaço da mulher no futebol, seja como jogadora, como treinadora, árbitra ou jornalista, passou a ser pauta mais frequente e o questionamento chegou às redações esportivas. Por que só cerca de 10% delas é formada por mulheres?

 

Talvez, um dos motivos que colaborou para que a gente aceitasse com naturalidade a ausência de mulheres no meio esportivo seja o fato que muitos atestam e poucos questionam: a maioria dos consumidores de esporte são homens. O problema é que, por todos esses anos, nunca paramos para pensar que não há argumento biológico que justifique essa realidade. Não há um componente genético (o cromossomo Y?) que determina o gosto por futebol. Mas há um componente social.

Os meninos nascem e ganham uma bola. As meninas nascem e ganham uma boneca. Ao longo da vida, eles são incentivados a praticar esportes, elas são incentivadas a aprender os afazeres domésticos (até mesmo os brinquedos chamados "de menina" são sobre isso, a minicozinha, o minifogão, até 'vassoura' e 'tábua de passar' de brinquedo existem). E aí quando elas ligam a TV e só há homens falando de um esporte praticado exclusivamente por homens (já que são raros os canais que mostram esportes femininos e sempre numa proporção muito inferior às transmissões de esportes masculinos), o recado está dado: aquele não é um lugar para meninas/mulheres.

Mas, ao longo do tempo, elas foram desafiando essa lógica. Primeiro, na reportagem. Na década de 1960, uma mulher ficou conhecida como a "Moça do Flamengo". Marilene Dabus foi a primeira setorista do time rubro-negro no Rio de Janeiro, e hoje dá nome à sala de imprensa do clube. Depois, Cidinha Santos foi o rosto feminino em meio à multidão de jornalistas cobrindo o milésimo gol de Pelé no Maracanã. Na década de 1970, a Rádio Mulher entrou para a história com transmissões 100% femininas do futebol, com Zuleide Ranieri e Claudete Troiano como narradoras, Germana Garilli e Branca do Amaral como repórteres, Jurema Iara, Leila Silveira e Léa Campos como comentaristas.

De lá para cá, mais e mais mulheres foram ocupando o espaço da reportagem. Só que o espaço da opinião ainda era muito restrito aos homens – principalmente na televisão. Não há registros oficiais de quem foi a primeira mulher a comentar um jogo, mas quando pensamos nisso, logo vem na memória o nome de Milly Lacombe. A jornalista fazia parte do Arena Sportv na década de 2000, foi comentarista de jogos no canal e depois foi para a Record onde participou de transmissões da Champions League em 2009. Em 2011, Clara Albuquerque começou a comentar jogos pela TV Bahia e depois pelo Premiere FC. Em 2018, a Fox Sports criou o "Narra Quem Sabe" para a Copa do Mundo com narrações femininas, e ex-jogadoras participaram dos jogos como comentaristas, além de Vanessa Riche, idealizadora do projeto.

Depois, em 2019, Ana Thais Matos passou a comentar jogos no Sportv e, na Copa do Mundo feminina, estreou na Globo nessa função. Posteriormente, ela também participou de transmissões do futebol masculino na TV aberta. Foi a primeira vez, em mais de 50 anos, que a emissora teve uma mulher comentando jogos de futebol.

Foto: Reprodução TV Globo

Com a estreia de Renata e Nadine, mais mulheres conquistaram esse espaço nas transmissões – as duas estiveram em mais jogos ao longo da semana. E, ao que parece, as vozes femininas serão cada vez mais ouvidas no futebol até que não causem mais estranhamento. Porque se há tantas mulheres que entendem do assunto, estranho mesmo era não ver nenhuma delas nos jogos.

A menina que ligar a TV em um programa esportivo agora já começa a se enxergar ali também. A torcedora que vê uma mulher comentando sobre seu time também se sente representada. Um passo foi dado, faltam muitos outros ainda. Falta abrir esse espaço também para mulheres e homens negros, para pessoas LGBT…se o futebol é reflexo da sociedade, ele precisa refletir mais a pluralidade que vemos nela.

O futebol pode – e precisa – ser mais diverso.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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