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CBF não fiscaliza, e jogadoras ficam sem salário mesmo com ajuda aos clubes

Renata Mendonça

20/04/2020 04h00

Foto: Jéssica Desiré / Reprodução Instagram

Com a pandemia de coronavírus, os campeonatos de futebol foram suspensos em todos os níveis e, depois de algumas discussões com uma comissão de clubes (formada apenas por representantes do futebol masculino), a CBF decidiu repassar uma verba considerável para ajudar equipes das divisões inferiores do Brasileiro e também do futebol feminino. O problema é que não houve uma prestação de contas exigida pela entidade e já começam a chegar denúncias sobre atletas que ficaram sem receber salário, mesmo após a ajuda financeira da confederação.

Jogadoras e comissão técnica do Audax, equipe da primeira divisão do Campeonato Brasileiro feminino, receberam apenas metade de seus salários em abril (referentes a março) e foram informadas que seus vínculos foram suspensos. O clube comunicou ainda em março ao treinador da equipe que não pagaria mais as jogadoras (enquanto o campeonato não voltasse) e que elas estariam liberadas para negociar com outros times nesse período. A CBF confirma que fez o direcionamento da verba ao Audax, que já recebeu os R$ 120 mil para manter a equipe feminina, de acordo com as determinações da entidade. O valor seria suficiente para garantir 5 meses de pagamento a todo o elenco e comissão técnica – a folha salarial do clube no feminino é de R$ 22 mil. O dinheiro, porém, não chegou até as jogadoras.

O clube alegou que "não havia nenhuma exigência de que esse dinheiro fosse destinado ao futebol feminino". Em contato com a reportagem, Gustavo Teixeira, filho do dono do Audax e um dos responsáveis pela administração do clube, enviou o recibo que a CBF deu aos clubes pela verba comprovando que, nele, não havia qualquer menção ao futebol feminino. O documento diz que o clube recebeu R$ 120 mil "referente ao apoio financeiro emergencial e excepcional concedido em razão da pandemia COVID-19".

"Acredito que o Audax não recebeu nenhuma orientação da CBF de como esse dinheiro deveria ser gasto. Essa pandemia prejudicou imensamente as finanças do clube. Infelizmente, estamos tendo que mandar várias pessoas embora e entendemos que esse recurso da CBF foi para ajudar o clube como um todo, e não exclusivamente o futebol feminino", afirmou Teixeira.

Até 2019 (equipe da foto), o Audax tinha um projeto bem-sucedido no futebol feminino e chegou às quartas-de-final do Brasileiro; neste ano, com uma equipe jovem e semi-amadora, o time está em 14º no campeonato (Foto: Divulgação Audax)

O valor do salário (que, na verdade, é considerada ajuda de custo, já que nenhuma das jogadoras é registrada) varia de R$500 (caso da maioria das atletas) a R$1.000. No dia 5 de abril, o clube depositou para elas apenas metade desse valor, considerando os dias de trabalho das jogadoras apenas até o dia 16 de março, quando o campeonato paralisou. Elas também não receberam valores referentes aos 10 dias que trabalharam em janeiro (quando os treinos da equipe voltaram).

Sem contrato

Na nota divulgada no site oficial da CBF sobre os recursos que seriam destinados aos clubes, a entidade afirma que o objetivo com o repasse "é colaborar para que esses clubes possam cumprir seus compromissos com os jogadores e jogadoras durante o período de paralisação do futebol".

O Audax não está em nenhuma divisão nacional no futebol masculino (as equipes beneficiadas, nesse caso, foram das séries C e D) e, portanto, recebeu o dinheiro (R$120 mil) apenas referente ao time de futebol feminino, que está na A1 do Brasileiro. As jogadoras alegam que os dirigentes do Audax não respondem às mensagens ou ligações feitas por elas para entender por que o pagamento integral não foi feito (já que elas não pararam de treinar por vontade própria, e sim por conta da pandemia) e não sabem e se elas receberão alguma coisa nos próximos meses.

"Uma coisa que eu deixo claro para você é que se após o término do Campeonato Brasileiro feminino sobrar algum dinheiro desses R$120 mil, o Audax se compromete a repartir com as atletas", disse Gustavo Teixeira. Ele reforça as dificuldades que encontra para conseguir patrocínio e apoio para manter o futebol feminino.

O Audax é um time tradicional na modalidade, que viveu seu auge em uma parceria com o Corinthians quando conquistou a Copa do Brasil em 2016 e a Libertadores em 2017. Mas desde o ano passado, quando a equipe chegou às quartas-de-final do Brasileiro, o time foi dispensado e, para este ano, um outro foi montado às pressas em uma parceria com o Tiger trazendo jogadoras de base (a maioria tem menos de 18 anos) que aceitaram receber apenas uma ajuda de custo. As jogadoras atuais não assinaram nenhum contrato de trabalho com o Audax e, portanto, ficam sem respaldo jurídico numa situação como essa.

Audax/Corinthians: campeão em 2017 (Foto: Conmebol)

'Auxílio emergencial'

Ao decidir pelo "auxílio emergencial" aos clubes de maior dificuldade no cenário do futebol nacional nesses tempos de pandemia, a CBF fez um cálculo baseado na média da folha salarial das equipes das séries C e D do masculino e da A1 e A2 do feminino que tecnicamente seria suficiente para arcar com dois meses de salários dos times. Em alguns casos – como do Audax -, esse dinheiro ajudaria a manter os ganhos das jogadoras por mais tempo (cinco meses), e em outros casos não seria suficiente nem para os dois meses prometidos.

Mas o problema da ajuda é que não foi exigida nenhuma contrapartida dela. Os clubes que receberam o chamado "auxílio emergencial" não precisam dar qualquer comprovação do uso dos recursos para o pagamento dos salários dos atletas. Sendo assim, como garantir que esse dinheiro chegará para eles?

Em nota, a CBF afirmou à reportagem que "os clubes das séries A1 e A2 do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino receberam da CBF auxílio financeiro emergencial para cumprirem suas obrigações relacionadas à modalidade, especialmente para assegurar o pagamento e manutenção das atletas. O auxílio foi calculado pela média dos salários registrados das atletas para as competições que disputam. Porém, a entidade não tem ingerência na administração interna dos clubes".

Divulgação CBF

Sem fiscalização, o dinheiro não chega a quem precisaria chegar, e as jogadoras, que já têm uma renda reduzida, ficam desamparadas nesse momento de crise. A ausência de um departamento específico para cuidar do futebol feminino na entidade máxima do futebol também faz com que fique mais difícil para as atletas conseguirem respaldo da confederação na hora de buscar seus direitos.

Durante toda a negociação sobre as medidas que seriam tomadas para amenizar as perdas impostas pela pandemia, não houve qualquer conversa específica abordando o futebol feminino. A CBF não se reuniu com representantes das equipes do feminino – como foi feito no masculino -, ouviu apenas individualmente os clubes e, então, anunciou a verba para ajudá-los. O acompanhamento com as equipes foi feito de maneira informal, sem uma fiscalização para garantir que o dinheiro chegaria às atletas. Houve já outra denúncia de jogadora do Santos Dumont (equipe de Sergipe da série A2) que não receberam salários, apesar da ajuda financeira enviada ao clube. Sem o departamento para a modalidade, não é possível assegurar o desenvolvimento dela.

 

Numa tentativa de convencer o Audax a pagar as jogadoras durante esse período, o supervisor de futebol feminino da CBF, Romeu Castro, entrou em contato com Gustavo Teixeira. "Ele me procurou e me convenceu de que o Audax deveria manter a ajuda de custo das atletas. Mas quando acabar esse recurso que a CBF doou, não obtendo mais patrocínio, infelizmente a única alternativa que teremos é pedir desistência do campeonato", disse o representante do Audax. A reportagem manterá contato com as jogadoras para acompanhar se o pagamento será feito.

 

 

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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