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'Maior mágoa é não ter tido a chance de me despedir da seleção', diz Sissi

Renata Mendonça

13/04/2020 04h00

Foto: Getty

Não dá para dizer quando essa "tradição" começou, mas os maiores nomes do futebol brasileiro tiveram seus momentos de despedida marcados por muita emoção e homenagem. De Pelé a Romário, de Zico a Ronaldo, os jogadores que fizeram história com a seleção brasileira tiveram sempre a oportunidade de encerrar sua trajetória de maneira digna, com um amistoso para que a torcida pudesse guardar boas memórias daqueles craques vestindo a camisa amarela pela última vez.

A tradição não se repete com as mulheres. É verdade que elas têm uma história muito mais recente com a seleção – a primeira delas foi formada somente em 1988 -, mas mesmo em um espaço curto de tempo, tivemos craques dignas de figurarem na prateleira dos melhores que este país já produziu. Sissi, sem dúvidas, é uma delas (e é possivelmente a principal delas entre as que já pararam de jogar). Camisa 10 clássica, daquelas em extinção no futebol, ela enxergava o jogo como ninguém, dava os melhores passes e fazia os mais belos gols. Serviu a seleção de 1988 a 2000, e poderia ter feito mais se não tivessem interrompido essa história de maneira abrupta e sem explicação.

Na última semana, entrevistamos Sissi na live semanal das Dibradoras e perguntamos se havia algum arrependimento ou alguma mágoa que tivesse ficado dos tempos de jogadora. A resposta dela, direta, sincera e carregada de sentimento, chegou a emocionar.

 

"Eu não sei se tem algo que eu me arrependa. Eu fui uma pessoa muito calada, nunca fui de falar muito. Então ficou muita coisa que eu não pude explicar na época. Uma coisa que eu ainda guardo com muita mágoa é o fato de não ter me despedido da seleção da maneira que eu queria. Eu não consegui fechar esse ciclo da maneira que eu achava que eu merecia por tudo o que eu fiz", afirmou a ex-atleta.

Sissi disputou os Jogos Olímpicos de Sydney em 2000 – a seleção perdeu a disputa do bronze para a Alemanha e ficou em quarto na ocasião – e, depois disso, mesmo jogando em alto nível, não teve novas convocações. Ficou fora da Copa do Mundo de 2003 e quase teve a chance de voltar em 2004, quando René Simões assumiu o time, mas após um primeiro contato com ela, a convocação oficial nunca veio.

"Meus amigos, as pessoas que conviveram comigo sabem, não foi fácil.. eles sentiram de perto o que foi pra mim fechar aquele ciclo logo depois da Olimpíada de Sydney sem nada. Amigos meus no Brasil já me procuraram para fazer.. mas o que dói mesmo é não ouvir nada do órgão principal, que eu representei por vários anos. Vou fazer o que? O negócio é continuar batalhando, vivendo minha vida aqui. É o que eu sempre falo, quando eles forem lembrar da história, meu nome ainda vai estar lá. O que importa é o que eu fiz, se não estiver no museu (da CBF), vai estar na memória das pessoas."

Valorização veio nos EUA

Com o surgimento da liga americana de futebol feminino, Sissi foi jogar nos Estados Unidos em 2001. Chegou a voltar para o Brasil dois anos depois, mas logo recebeu nova chance no retorno das competições por lá e, desde então, mora naquele que é considerado "o país do futebol feminino". Lá, ela teve a chance de se capacitar para ser treinadora e já acumula mais de uma década de experiência trabalhando com categorias de base em clubes femininos.

Um sonho que ela tem desde que passou a trabalhar fora dos gramados é ter uma oportunidade de trabalhar com a seleção brasileira, seja como assistente técnica, ou em algum outro cargo que desse a ela a oportunidade de contribuir com o desenvolvimento do futebol feminino no Brasil. Com uma vasta experiência no país que melhor trabalha a modalidade no mundo, conhecimento não lhe falta sobre o que pode ser feito para impulsionar o futebol das mulheres. Como isso não parece factível num futuro próximo, Sissi trabalha para, quem sabe, ter essa oportunidade na seleção americana – nos Estados Unidos, o nome dela é bastante conhecido e valorizado.

"Com relação à seleção (brasileira) eu sempre falei que meu sonho era poder participar de alguma forma, seja como assistente, qualquer coisa, sempre foi, sempre vai ser. Se eu tivesse uma chance nos Estados Unidos, eu não pensaria duas vezes também. É uma questão de oportunidade. Eu estou trabalhando pra isso. Minha vida agora é voltada pra isso, melhorar, crescer profissionalmente, É o que eu estou buscando", afirmou.

A ex-jogadora até já recebeu sondagens de clubes brasileiros, mas ressalta que, para abrir mão de tudo o que tem nos Estados Unidos, o projeto oferecido precisaria ser a longo prazo.

"Depende do projeto, das condições, e acho que principalmente do prazo. No Brasil, a gente depende muito de resultados. Alguns clubes já conversaram a respeito disso, mas deixar tudo aqui para voltar para o Brasil por algo que não é tão confiável é difícil. Eu tenho meu filho aqui, minhas coisas, não é simples largar tudo aqui. Tem que ser uma coisa bem pensada", finalizou.

Foto: Arquivo Pessoal

É sempre bom lembrar que Sissi faz parte do Hall da Fama no México, é considerada uma das maiores jogadoras do século pela Federação Internacional de História e Estatística do Futebol (IFFHS), mas nunca foi homenageada pela CBF no Brasil.

 

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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