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Mãe-goleadora, Nildinha jogou até os 42 e tenta carreira fora dos campos

Roberta Nina

03/04/2020 04h00

Seleção feminina rumo aos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 96. Nildinha é a primeira da terceira fileira. (Foto: Acervo Pessoal / Romeu Castro)

Nildinha foi atacante e mãe ao mesmo tempo, em uma época em que o apoio à modalidade era praticamente nulo. Parou de jogar há cerca de cinco anos e não foi nada fácil tomar essa decisão. "Se tivessem me dado a oportunidade de treinar e fazer toda a pré-temporada, eu estaria fazendo gol até hoje", afirmou em entrevista às dibradoras. 

"Atacante de área" – como ela mesma se definiu – levando o número 9 nas costas, ela saiu do Rio Grande do Norte para começar sua trajetória em Brasília aos 18 anos. "Comecei a jogar na rua, como a maioria. Minha mãe não aceitava, não. Queria me bater quando eu chegava suja ou com o chinelo quebrado, era complicado. Sempre dizia que futebol era coisa de homem" revelou.

Depois de passar anos nos gramados, vestir a camisa da seleção e se tornar uma grandes artilheiras da modalidade, Nildinha ganhou a chance que tanto sonhava pós-carreira. Foi auxiliar técnica da equipe feminina do São Paulo (a única mulher a fazer parte da comissão) em 2019, numa ótima campanha que levou o tricolor paulista à elite do Campeonato Brasileiro (campeão da A2) e à final do Paulista. "Fui desligada do nada. Até hoje eu estou esperando uma explicação e não tenho. Trabalhei, fomos campeãs na base, na Série A2 e quando eu voltei das férias, mandaram um supervisor me demitir", relembrou. 

Entre a creche e o campo

Dentro de casa, ela tinha o apoio do irmão Maciel. Ao lado dele e de outros quatro irmãos, ela ia para a várzea vê-los jogar e tentar bater uma bola no meio dos mais velhos. "Minha referência era o meu irmão, mesmo. Ele colocou na minha cabeça que eu era atacante e eu aceitei. Amava fazer gols", contou.

Foi no Gama que ela começou a jogar. Ao lado de Grazi – hoje camisa 7 do Corinthians –  ela despontou para o futebol em busca de seu sonho. Sua carreira tem passagens por diversos times, já que, naquela época, não existia contrato profissional. As atletas defendiam equipes por pouco tempo, disputavam um torneio e depois disso o vínculo acabava.

Em 1993, aos 21 anos, ela engravidou e veio para São Paulo jogar em um dos times com maior relevância na modalidade naquela época: o Saad Esporte Clube. Mãe solo e com a filha Mayra, de apenas 4 meses, ela dividia seu tempo entre maternidade e competições.

Nildinha fazia parte do timaço que era o SAAD (Foto: Acervo Pessoal / Romeu Castro)

"Nós morávamos em um alojamento, era uma casa localizada em Campinas. O Romeu Castro (que atualmente é  supervisor de futebol feminino do departamento de competições da CBF) era o presidente do clube e arranjou uma babá para cuidar da minha filha. Mas depois, ela foi embora e eu tive que me virar. Andava 3km toda manhã, deixava minha filha na creche, voltava e já ia direto pro campo. Treinava, ia para casa almoçar, descansava um pouco, treinava novamente à tarde e ia para a creche pegar ela e voltar", recorda. E durante toda sua vida de atleta, Nildinha precisou levar Mayra consigo. "Todos os clubes sempre me ajudaram, tanto as atletas como os dirigentes."

"A Mayra acabou virando uma 'afilhada' de todos que estavam no Saad naquela época. E a Nildinha era uma jogadora com um talento muito grande, com uma velocidade que assombrava na época e uma das maiores artilheiras do futebol feminino de São Paulo e do Brasil", declarou Romeu ao blog.

Vale destacar que mesmo sendo tratada como "afilhada" por todo o time do Saad, Mayra tem uma madrinha oficial. "A Roseli (também jogadora que brilhou pela seleção à época) é minha comadre", afirma a mãe e ex-jogadora.

Pelo Saad, Nildinha foi Campeã Brasileira (1996), Bicampeã da Copa São Paulo (1994-1995) e foi jogando ali que ela foi convocada, pela 1ª vez, para defender a seleção brasileira.

Nildinha do Brasil

"Querer jogar igual a alguém, não tinha isso não (quando era mais nova). Uma vez assistindo a TV, vi uma matéria no Globo Esporte com elas (Sissi, Roseli, Pretinha), e eu dizia para meu irmão: 'poxa Maciel, quero estar ali um dia. Quero ir pra seleção e conhecer essas meninas'. E aí ele falava: 'não magrela, não dá, é difícil."'

Seleção feminina em 95: Maravilha, Kátia Cilene, Nildinha, Sônia, Lêda Maria, Tânia Maranhão, Marisa e Didi (Foto: Acervo Romeu Castro)

Mas deu certo! Nildinha defendeu o Brasil nos Jogos Olímpicos de Atlanta (1996) e em Sydney (2000). "E um dia eu fui pra seleção, conheci todas e joguei com elas. O que eu queria, corri atrás e consegui. E foi bacana naquela época de tanta dificuldade para o futebol feminino, eu ter chegado em uma seleção", relembra.

E com quem ficou Mayra? "Na Olimpíada, ficou com o pai. Era um sofrimento porque ficava muito tempo longe e ela lembra disso. Às vezes, ela me fala 'nossa mãe, você ficou mais longe de mim do que perto'. Mas agora eu já tenho minha netinha Manuela pra cuidar", afirma.

"Choro até hoje por uma bola na cabeça"

Nildinha fazia gol atrás de gol, mesmo. Em duas temporadas (2008 e 2009), ela foi artilheira do Campeonato Paulista, com 26 e 20 gols respectivamente, vestindo a camisa do Corinthians. Defendeu o clube paulista por dois anos e guarda boas recordações. "Na época, tinham até cogitado de trazer a Marta, ela até foi lá fazer uma visita, mas acabou que ficou só na conversa mesmo", relembra.

Nildinha defendeu o Corinthians em 2008 e 2009 (Foto: Daniel Augusto Jr. / Agência Corinthians)

No início dos anos 2000, Cris Gambaré, hoje diretora do novo projeto bem-sucedido do futebol feminino no Corinthians, já brigava pela modalidade no Parque São Jorge e Nildinha valoriza a luta dela. "Naquela época, o Corinthians não tinha tanto o apoio que tem hoje. A Cris era diretora, mas não tinha tanto respaldo da diretoria pra fazer o que hoje ela faz. Mas desde lá atrás, ela tentou fazer o melhor pelo Corinthians e pelo futebol feminino. Só vieram deixar agora e ela é uma ótima diretora, um exemplo para seguir", opinou. 

No decorrer da carreira, Nildinha defendeu clubes como a Portuguesa, Flamengo, Grêmio, Vasco, Cresspom, América de Natal, Palmeiras e Juventus. São muitas as lembranças, mas ela guarda com carinho os momentos em que defendeu a Lusa, onde foi Bicampeã Paulista (2000 e 2001) e Campeã Brasileira (2000). "Foi o clube onde eu mais joguei e que tinha uma das melhores equipes."

A ex-jogadora também tem passagens por clubes estrangeiros, como Kansas City (USA), Takarazuka Bunnys (Japão), Estudiantes (Espanha), Torres (Itália) e Hammarby (Suécia).

Nildinha era letal dentro da área. Rápida, chutava com os dois pés e também era certeira nos cabeceios. E disso ela sente saudade. "Choro até hoje por uma bola na cabeça, é uma coisa que não tem mais no futebol, uma atacante de área que cabeceia. Na minha época, era eu e Katia Cilene como atacante de área e sem medo de cabecear", conta.

Nildinha carregando a tocha olímpica em 2016 (Foto: Arquivo Pessoal)

Entre os momentos que não consegue esquecer, Nildinha relembra de marcar gols contra os Estados Unidos pela seleção e de ver um gol seu ser eleito como o melhor da rodada. "Não esqueço da Copa Nike que participei em 2001, nos Estados Unidos, e fiz dois gols contra elas, isso me arrepia e me emociona muito até hoje. Outro momento foi a final do Brasileiro, quando jogava pela Portuguesa contra o Palmeiras, em Minas Gerais. Eu fiz um gol e ganhei como mais bonito da rodada, até mesmo dos homens. E o melhor é que foi narrado pelo Valdir Espinosa", conta.

Pós-carreira

Dar adeus ao futebol não foi fácil. O cenário era totalmente instável e com o passar dos anos, Nildinha não encontrava um lugar onde pudesse fazer o que tanto amava. "Parei de jogar porque a idade vai chegando e os clubes e dirigentes vão querendo pessoas mais novas. Aí foi afunilando, achei melhor parar do que ficar me desgastando e sofrendo."

Tomou a decisão aos 42 anos, mas enfrentou muita tristeza. "Passei por uma depressão muito grande, ia pro hospital sem motivo, achava que tava entortando tudo. Aí, voltei a jogar no Juventus, uns cinco anos atrás. Fiquei boa da depressão porque voltei pro campo, mas era difícil, não tinha um salário fixo e pensei que era melhor eu parar mesmo para estudar e fazer uns cursos."

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Primeiro titulo na comissão tecnica. Q venha mts obgd Senhor.

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A passagem pelo São Paulo como auxiliar técnica foi importante e marcante para Nildinha. A saída sem explicação chateou demais a ex-atleta. "As jogadoras me adoravam, queriam meu trabalho. Ali, eu era uma pessoa que ajudava elas em tudo e acho que foi justamente isso que incomodou alguns. Lá dentro, tinham coisas que me chateavam e que eu não achava certo também", disse.

Agora , aos 48 anos, Nildinha busca uma recolocação para trabalhar com aquilo que fez durante toda a vida e também se qualificar ainda mais na profissão. "Mandei meu currículo e tive algumas propostas de clubes de São Paulo, da Bahia e de Brasília. O que é ruim é ficar longe da minha netinha", lamentou. 

Da bola, Nildinha não se separa. Toda terça e quinta joga futebol e futevôlei com um grupo de amigos na Granja Viana, perto de onde mora, e agora afirma estar pronta para novos desafios. "Não mudaria nada na minha trajetória, fui feliz do jeito que foi, mesmo com as dificuldades que o futebol feminino tinha. Fui feliz demais."

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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