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Por que a esposa de Bruno Henrique virou alvo de torcedores do Palmeiras?

Renata Mendonça

21/10/2019 13h25

Foto: Agência Palmeiras

Após o empate do Palmeiras com o Athlético Paranaense na Arena da Baixada, a esposa do meio-campista palmeirense Bruno Henrique foi agredida por torcedores na saída do estádio. Segundo relato do próprio jogador, ela estava acompanhada de um senhor e de uma criança, foi cercada, xingada e empurrada por um grupo de pessoas nos arredores da arena.

Primeiramente é importante reforçar que esse tipo de agressividade, infelizmente, não é exclusividade da torcida do Palmeiras. Essa intimidação dos torcedores para cima de jogadores e familiares é uma atitude mais frequente do que deveria no futebol brasileiro.

Mas é curioso (e, ao mesmo tempo, triste) que desta vez o alvo da ação tenha sido justamente a esposa de Bruno Henrique. Há pouco mais de um mês, o jogador ouviu ofensas de um torcedor na rua quando estava com ela passeando com o cachorro em um dia de folga em São Paulo. A esposa, Bhel Dietrich, respondeu às ofensas do homem, e o vídeo viralizou nas redes sociais.

"Não pode (xingar). Você gostaria que alguém xingasse sua esposa, sua mãe, sua filha? Você pode até falar, mas você está sendo desrespeitoso e desagradável. Você não falou time, você xingou diretamente ele. Assuma as coisas que você faz, seja homem para fazer na frente. Quer fazer, faz, mas assume. Você acha que está certo? Po, a gente tem vida também. Você quer xingar? Vai no estádio xingar então. Você acha que perde porque quer?", questionou Bhel.

Que ousadia a de uma mulher querer responder um torcedor na rua, não é mesmo? Como sempre acontece no futebol, qualquer posicionamento feminino incomoda. E a reação de Bhel à intimidação da torcida, questionando o que sempre foi tomado (erroneamente, aliás) como "normal" por muitos clubes incomodou demais os torcedores "machões".

A partir disso, Bhel virou o alvo. E, na saída do estádio, quando sequer estava acompanhada do marido jogador, foi ela quem foi agredida, xingada, intimidada por torcedores insatisfeito com os últimos resultados do clube. E agora não poderia sequer reclamar né? Afinal, o episódio aconteceu no estádio, como ela havia "pedido". "Quer xingar, vai no estádio xingar", disse no vídeo que viralizou.

A covardia dos torcedores ultrapassou todos os limites. Não basta intimidar e perseguir o jogador (o que já é um absurdo completo), agora a esposa dele também não pode circular nas ruas sem medo de ser alvo das violências delinquentes das torcidas. O futebol virou desculpa para se naturalizar o que, na verdade, são crimes. Ameaça, agressão, intimidação. Nada disso pode ser tratado como "normal" ou como "parte da rotina" de uma profissão.

"Ah, mas o jogador de futebol ganha milhões, ele merece ser cobrado". Cobrança não se faz dessa maneira. Qualquer coisa que interfira na liberdade de ir e vir de uma pessoa ou que ameace sua integridade física não pode ser considerada uma "cobrança" – vamos nomear da maneira correta esse tipo de atitude por parte das torcidas. No caso que aconteceu em setembro, a notícia não é que "Bruno Henrique foi cobrado", mas sim que ele foi "intimidado". Agora, a intimidação partiu para a agressão – e para cima da mulher dele, o que é ainda mais grave.

O Palmeiras chegou a se manifestar somente nesta segunda-feira, dia seguinte ao ocorrido:

"A Sociedade Esportiva Palmeiras repudia veementemente o deplorável e constrangedor episódio ocorrido na saída do estádio neste domingo (20), após a partida contra o Athletico-PR, em Curitiba, envolvendo a esposa do jogador Bruno Henrique e sua família.

É inadmissível que aconteçam situações lamentáveis envolvendo ataques de supostos torcedores a atletas, comissão técnica, dirigentes e seus familiares. O clube está dando todo o suporte necessário ao jogador e sua família".

É imprescindível que, em casos como esse, o clube não só dê respaldo ao jogador, mas assuma um posicionamento firme com relação a esse tipo de atitude da torcida. É preciso identificar os agressores, proibi-los de frequentar o estádio, oferecer segurança aos atletas e familiares e até suporte psicológico para conter o trauma de se passar por uma situação assim. A esposa de um jogador foi agredida por causa de um jogo de futebol. Há que se repetir essa notícia em voz alta inúmeras vezes para que não se diminua a gravidade de um episódio desses.

Torcedoras do Palmeiras que fazem parte do movimento VerDonnas se posicionaram a respeito do acontecimento a pedido do dibradoras. "Este episódio é o tipo de coisa que a gente combate. Foi por uma situação de violência que o VerDonnas nasceu. Nosso objetivo desde o início é tentar transformar o estádio num lugar mais seguro para as mulheres e, no fim das contas, para todo mundo, levando cada vez mais torcedoras e incentivando-as a ir. Independentemente de ela ser de fato torcedora do Palmeiras ou não, é inadmissível que alguém seja agredido verbal ou fisicamente. Não há nada que justifique a agressão e o acontecimento é contraproducente não só para um estádio mais acolhedor e pacífico, mas também para o desempenho do clube em si. Violência não deve ser tolerada, seja com quem for e, neste caso, sabemos que ainda tem uma questão de machismo. É contra isso que a gente luta hoje e continuaremos lutando sempre. Acreditamos que o Palmeiras precisa ser firme no combate. Precisa ir atrás dos vídeos, para saber quem foi, e precisa punir quem fez. De fato tomar providências cabíveis, inclusive levar até a polícia se for o caso. Além disso, dar apoio para o jogador e a família, principalmente psicológico. E por fim deixar claro que não compactua com este tipo de acontecimento, coibindo para que não haja a possibilidade de acontecer novamente".

A criadora de conteúdo e torcedora palmeirense Luana Maluf também se manifestou: "Ainda existe um problema muito sério no futebol que é encarar aquele universo como um ambiente em que tudo pode acontecer. Tudo bem se "descontrolar durante um jogo", xingar alguém que discorda da sua opinião – porque, "desculpa, estava nervosx" ou ter atitudes que não seriam socialmente aceitas se não tivesse o futebol como plano de fundo. Não está tudo bem. Isso tem mudado um pouco com os anos, mas ainda existe. Alguns torcedores encaram que o seu "amor" pelo clube está acima de qualquer problema, bom senso, empatia ou cuidado com o próximo. Não aceitam ser enfrentados, reagem com agressividade se escutam uma opinião adversa e se unem em pequenos grupos para linchamento físico ou virtual. A linha do respeito, quando se trata do próprio clube, vai até onde convém – e, aqui, estamos falando de até onde você não discorda de alguém. O absurdo que ocorreu com a Bhel só expõe que dentro do futebol algumas pessoas não aceitam serem enfrentadas, canalizando a raiva diretamente para a violência. Atacar, agredir, diminuir, ofender ou faltar com respeito, pessoalmente ou virtualmente, é uma frágil atitude de quem não sabe viver em sociedade. E essas pessoas deveriam ser punidas e proibidas de qualquer atividade que envolva o clube. Nenhum funcionário deve estar em um trabalho em que não respeitem a sua família (e isso não é sobre ser fraco ou covarde, mas sobre ter uma vida normal)."

Não há resultado, clubismo, ou qualquer outra coisa que possa justificar o que aconteceu com a esposa de Bruno Henrique.

 

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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