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Ana Thais na Globo: por que é importante ter mulheres comentando futebol?

Renata Mendonça

09/09/2019 07h11

Foto: Reprodução TV Globo

O domingo tradicional de futebol desta vez rompeu uma tradição cinqüentenária. Foram necessários 54 anos para que finalmente uma mulher comentasse um jogo do Brasileirão na TV Globo, a maior emissora do país. Ana Thaís Matos foi a responsável pelo feito na transmissão de Santos e Athletico Paranaense ao lado de Cleber Machado e Caio Ribeiro.

Em afiliadas regionais da Globo, isso até já havia acontecido antes – como na transmissão do Baiano em 2011 com Clara Albuquerque comentando na Tv Bahia -, mas essa foi a primeira vez que uma voz feminina esteve nos comentários no horário nobre de transmissão do futebol para todo o país. Ana Thais já havia sido a primeira a comentar na Globo com o futebol feminino, na Copa do Mundo deste ano, e agora quebra mais uma barreira para as mulheres participando da transmissão do Brasileirão masculino.

Se a gente parar pra pensar, chega a ser ultrapassado comemorar que apenas em 2019 chegamos ao ponto de ter uma mulher comentando jogos na principal emissora do país. Mas antes tarde do que mais tarde. Esse sempre foi um território tão masculino que, por muito tempo, sequer "reparamos" na ausência de mulheres nessa área. Foi sempre tão "natural" ver homens narrando, comentando, jogando, apitando, treinando, que nunca se questionou por que não havia mulheres ali. E isso ajuda muito a explicar por que esse território permaneceu tão masculino por tanto tempo.

 

O futebol nunca foi muito "convidativo" para as mulheres. Desde a infância, a gente ouve que é coisa de menino. A gente é proibida de se juntar a eles na rua ou na quadra pra jogar. A gente não é chamada para ir ao estádio. A gente ouve que mulher não entende e, quando tentamos desafiar essa lógica, somos surpreendidas com o famoso quiz do "então fala o que é Impedimento? E a escalação do seu time de 1985?", como se para gostar daquele esporte a gente tivesse que tirar nota máxima no teste e passar num "vestibular".

Milly Lacombe foi comentarista da Champions League na Record (Foto: Reprodução TV)

E quando você olha as referências do futebol, elas são todas masculinas. Você vê homens jogando, em transmissões que têm apenas homens narrando e comentando e isso, indiretamente, te passa um recado: esse não é um lugar pra você. Pergunte a qualquer mulher da minha idade que gosta de futebol e cresceu na década de 1990 se algum dia ele sonhou em ser comentarista ou narradora? Esse não era um sonho possível. Eu conheço vários caras que, quando eu falo que trabalho com futebol, logo dizem: sempre sonhei em ser comentarista desses programas esportivos. Eu não pude sonhar com isso. Não era uma opção. Como você pode se imaginar fazendo algo quando não vê ninguém "igual a você" fazendo?

A importância de se ter mulheres ocupando esses espaço é justamente essa. Vendo e ouvindo vozes femininas nesses espaços, as meninas de hoje poderão se imaginar como protagonistas desses microfones no futuro. Vão entender que aquele também é o lugar delas.

 

Esse protagonismo no futebol que Ana Thaís Matos conquistou para as mulheres neste domingo ainda é muito raro de se ver na TV aberta. A primeira a conseguir algo parecido foi Milly Lacombe comentando a Championship League na Record em 2009. Depois, algumas afiliadas regionais tiveram mulheres nos comentários em situações pontuais. Mas esse cenário está em transformação agora. Neste mesmo domingo, tivemos a ex-jogadora Alline Calandrini comentando a semifinal do Brasileiro feminino entre Flamengo e Corinthians na Band às 14h, enquanto a transmissão da NFL na ESPN também tinha uma voz feminina nos comentários com Paula Ivoglo. Depois, na Globo, Ana Thais fez história na transmissão de Santos e Athletico Paranaense.

Paula Ivoglo é comentarista de futebol americano na ESPN (Foto: Reprodução ESPN)

Está começando a se tornar mais comum ver mulheres opinando sobre futebol nos veículos esportivos. Os programas de mesa redonda estão tendo presenças femininas com mais frequência e, mais do que isso, passamos a ver mulheres também narrando jogos de futebol em rede nacional. Isso é um avanço e tanto é algo essencial para a mudança de cultura que esperamos ir além do esporte: lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive nos campos, jogando, comandando, apitando, comentando e também narrando.

Representatividade importa. E por isso também é importante que tenhamos mais mulheres, negros e negras (que ainda são raros), homossexuais, pessoas com deficiência, uma diversidade que amplie o debate esportivo para além do círculo dos homens brancos heterossexuais que sempre dominaram esse território. O futebol é (ou deveria ser) de todos.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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