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A base vem forte: São Paulo replica modelo e forma campeãs no feminino

Renata Mendonça

26/08/2019 10h28

Foto: CBF

O São Paulo foi campeão brasileiro de futebol feminino na segunda divisão neste domingo, e o time que esteve em campo tinha uma característica peculiar do clube: o protagonismo veio todo das "novinhas". Diante das lesões que afetaram as jogadoras mais experientes do time, como a atacante da seleção brasileira, Cristiane (34), e as laterais Giovana (33) e Roberta (26), restou a um time com média de idade de 21 anos levantar o caneco da série A2 com uma campanha impressionante.

Foram 10 vitórias em 13 jogos (apenas uma derrota), 42 gols marcados e somente quatro sofridos. A capitã do time e camisa 10, Ary, tem apenas 19 anos e é um dos destaques do time. Valéria, a artilheira com 6 gols, tem 21. Ottilia, atacante que balançou as redes em jogos importantíssimos do mata-mata, tem 22. Yaya, a meio-campista convocada para a seleção principal, tem apenas 17 e já é uma das protagonistas da equipe.

Tudo isso tem uma explicação: assim como o São Paulo investiu na base no futebol masculino para poder aproveitar os talentos no time principal, o modelo aplicado no feminino tem sido similar. Antes de montar a equipe adulta, o clube paulista começou a olhar para a formação de jogadoras e fez uma parceria com o Centro Olímpico – maior clube de base do futebol feminino do país – para disputar competições sub-15 e sub-17.

A base vem forte

Isso começou em 2017, para a disputa do primeiro Campeonato Paulista de base criado pela FPF, e deu certo logo de cara. À época, o Centro Olímpico entrou na competição com uma equipe sub-17 (categoria oficial do torneio) e "emprestou" as atletas do sub-15 do clube para o São Paulo – elas acabaram campeãs naquele ano, mesmo com a equipe mais jovem do campeonato.

Nos últimos dois anos, as equipes de base do futebol feminino do São Paulo conquistaram seis títulos, incluindo até mesmo a Libertadores sub-16. Agora, na equipe principal, várias das atletas que passaram por essa formação no Centro Olímpico hoje são protagonistas do primeiro título nacional do clube no retorno ao futebol feminino.

Foto: CBF

"Esse grupo é jovem, mas muitas que estão aqui já foram campeãs na base, muitas vieram do Centro Olímpico, então fica muito mais fácil porque elas já conviveram com isso, sob pressão. Algumas aqui jogaram contra meninos em campeonato oficial, outras jogaram Sul-Americano, então fica muito fácil. É um time jovem, mas que tem muita rodagem no futebol", afirmou a goleira Carla Silva, de 22 anos, que assumiu a titularidade absoluta no gol após a lesão de Rubi e se destacou na função.

O próprio técnico da equipe adulta do São Paulo hoje também foi "formado" como treinador no Centro Olímpico. Foi lá que ele começou a carreira e foi por conta do sucesso de seu trabalho nessa parceria da base que ele acabou sendo o escolhido para comandar o time principal formado no início deste ano.

"A importância do Centro Olímpico na minha formação como treinador é gigantesca. É o clube que me moldou, que me colocou no radar, me fez aprender amar a modalidade. As atletas que aqui estão e passaram por lá são atletas muito comprometidas e entregam tudo o que elas têm dentro de campo. Fico muito feliz por todas elas que passaram por lá e estão comigo, pelas outras que passaram por lá e estão espalhadas pelo país, porque tem muitas", afirmou.

Formação de atletas no feminino

A conquista desse título por uma equipe tão jovem como é a do São Paulo mostra a importância que a existência de categorias de base femininas têm para o desenvolvimento da modalidade. Até pouco tempo atrás, as jogadoras chegavam com 15, 16 anos nos clubes e já iam direto para o profissional, porque não havia equipes de base em nenhum deles. O Centro Olímpico foi o primeiro que passou a investir e criar categorias exclusivamente femininas para a formação de atletas – primeiro no sub-17, depois sub-15 e hoje há até o sub-9. O São Paulo aproveitou o trabalho de excelência feito ali e absorveu parte dele – tanto Lucas, técnico do time principal, quanto Thiago Viana, técnico do sub-18, vieram de lá.

Ottilia tem 22 anos e foi um dos destaques do time (Foto: CBF)

A consequência é que as jogadoras, mesmo muito novas, chegam já com bastante maturidade para disputar competições importantes, como aconteceu no Brasileiro. Não à toa, Yaya, de apenas 17 anos, já se destacou na equipe e conseguiu a convocação para a seleção principal.

"A Yaya é fruto de todo esse trabalho do Centro Olímpico, do São Paulo, dessa fusão que a gente fez em algum momento. Ela é uma atleta completa, que se dedica no limite, muito jovem, mas não tem medo de enfrentamento. Ela merece demais esse título e a convocação", disse Lucas.

Com o surgimento de mais competições de base no feminino – e também da resolução da Conmebol, que obriga as equipes da Série A do masculino a terem equipes femininas principal e de base -, a tendência é que as atletas consigam ter mais estrutura na formação e cheguem mais "prontas" para atuarem no adulto.

O novo técnico da seleção feminina sub-20 esteve na final da A2 no último domingo e destacou a evolução que o futebol feminino tem tido entre as jogadoras mais novas. Ele, inclusive, foi um dos responsáveis pela formação de pelo menos 8 jogadoras que estavam em campo por Cruzeiro  (Isa Leoni e Micaelly) e São Paulo (Carla, Ottilia, Ary, Yaya, Larissa Santos e Bruna Cotrim).

"Para trabalhar com uma equipe de jogadoras novas, primeiro você precisa entender que elas são jovens. Parece óbvio, mas existem particularidades de uma equipe jovem que você tem que inserir dentro do trabalho, porque se não você não consegue adesão às suas propostas. Acho que o Lucas conseguiu isso muito bem. O jogo foi riquíssimo. Eu já vinha acompanhando algumas atletas, o que eu vi hoje só engrandeceu a visão que eu e a Jéssica já tínhamos dessas meninas. E, com certeza, presenciar uma partida dessas enriquece toda a gama de informações que a gente tem que ter para acertar na hora da convocação", observou.

Destaques entre as 'novinhas'

Ary tem 19 anos, é camisa 10 e capitã do São Paulo (Foto: dibradoras)

Ary Borges, camisa 10, é a meio-campista que dá ritmo ao jogo. Ela começou a jogar no Maranhão, junto com os primos e, quando veio para São Paulo, teve o apoio do pai para buscar uma escolinha. Jogou com os "Meninos da Vila" sendo a única garota, até que o pai cruzou com uma menina vestindo uma camisa roxa escrito "futebol" nas costas. Ele buscou saber de onde era, descobriu o Centro Olímpico e levou Ary para jogar lá. Daí em diante, ela decolou – jogou no Sport, e agora foi campeã pelo time do coração. Já é uma das preferidas da torcida.

 

Valéria é artilheira do time com 6 gols e se multiplica em campo. Ela começou a jogar no Piauí com o irmão mais velho e a irmã. As duas viraram profissionais e sempre foram muito unidas. Atuaram juntas no Tiradentes-PI, mas sua eterna companheira se machucou e não teve apoio do clube para a cirurgia. Valéria moveu mundos e fundos, fez rifa, bingo e o que pode para juntar dinheiro para a irmã operar e conseguiu. Agora, ela está no Paysandu, mas Valéria sonha em trazê-la para jogar com ela no São Paulo.

Yayá é a primeira atleta do São Paulo convocada para a seleção principal e se destaca pela habilidade que tem no meio-campo. Jogadora versátil, que tem um chute potente e, aos 17 anos, demonstra muita personalidade. O apelido veio por um técnico da base do Centro Olímpico que a comparou a Yaya Touré, meio-campista que se destacou no Barcelona e Manchester City.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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