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Na onda da Copa, Yellow usa nomes de jogadoras brasileiras e é notificada

Roberta Nina

22/06/2019 14h40

Cristiane na campanha do Itaú (Foto: Divulgação)

Pela primeira vez na história do futebol feminino, um apelo foi feito às marcas: valorizem nossas atletas. Até mesmo as empresas patrocinadoras da CBF há muitos anos nunca haviam prestado a devida atenção na equipe feminina, que já chegou a disputar final Olímpica e Mundial durante os anos 2004 e 2007, respectivamente.

Recentemente, o discurso começou a mudar. A representação da figura feminina passou a fazer parte de comerciais e campanhas que envolviam o futebol e o discurso das empresas reforçava a mensagem de que eles eram "patrocinadores de todas as seleções." As atletas passaram a protagonizar campanhas publicitárias e serem bonificadas por isso. 

Indo na contramão desse movimento, nos últimos dias, a Grow, detentora das bikes e patinetes Yellow e Grin, postou imagens nas redes sociais de suas bicicletas estampando o nome das jogadoras brasileiras. O texto da postagem dizia: "Vamos todos apoiar nossas craques de bola. Poste uma foto com a #PedalaGarota, enquanto passeia de bike pela cidade. Você apoia apoia nossas jogadoras e faz parte da torcida das amarelinhas. E com tanto apoio, quem sabe não temos a sorte de ver um golzinho de bicicleta."

(Foto: Reprodução / Instagram Yellow.us)

A postagem foi feita no dia 07 de junho, início da Copa do Mundo. No dia 11 de junho, a atacante da seleção brasileira, Cristiane, comentou na postagem feita pela empresa reforçando que não havia autorizado o uso de seu nome na campanha. "Fico triste que usem minha identidade sem sequer entrar em contato antes, isso é extremamente errado. Usar a imagem das jogadoras da seleção sem autorização para se promover é ilegal e desrespeitoso. A modalidade merece respeito", escreveu a camisa 11 do Brasil.

Além de Cristiane, nomes de outras jogadoras como Marta, Formiga, Andressa Alves e Bia também foram usadas nas bicicletas. Procuramos a Sow Sports, empresa que cuida da carreira de Cristiane e Andressa Alves, e por meio de uma nota, nos confirmaram que as atletas não foram procuradas e não deram autorização para tal campanha.

Cristiane se manifestou em postagem feita pela Yellow (Foto: Reprodução / Instagram Yellow.us)

"A Sow Sports, responsável pela gestão e assessoria da carreira de Cristiane Rozeira e Andressa Alves, confirma que nenhuma das atletas autorizou o uso de nome e imagem em campanha da Yellow. Qualquer participação em comerciais e publicidade, como as realizadas com empresas como Uber, Itaú e Guaraná conta sempre com consentimento expresso das jogadoras. Esclarecemos também que as devidas medidas jurídicas para que cesse o uso indevido do nome das atletas já foram adotadas."

Ainda na terça-feira (18/06), quando o Brasil entrou em campo contra a Itália, a empresa que representa as atletas recebeu um alerta da Yellow no celular com os dizeres: "Bora ver as garotas pedalando hoje? Encontre uma Yellow e partiu torcer para ver a goleada em campo. #PedalaGarota."

O nome de Marta também foi utilizado pela empresa (Foto: Reprodução / Instagram Yellow.us)

Do outro lado, procurada pelas dibradoras, a Grow também se manifestou. "A Grow, detentora das bikes e patinetes Yellow e Grin, esclarece que fixou placas nas cestas de suas bikes como forma de homenagear as jogadoras da seleção brasileira feminina de futebol e também homenagear os nomes de tantas mulheres brasileiras. A ação visou apoiar e divulgar  o futebol feminino no país e engajar a torcida. Não fizemos qualquer tipo de  promoção com esta ação que, em sentido contrário, demandou investimento de nossa parte. Esta é uma entre diversas ações ligadas a pautas sociais que estamos abraçando, entre elas as que estamos fazendo referentes ao mês do orgulho LGBT. A Grow esclarece ainda que tão logo recebeu questionamentos desativou esta ação."

O post feito no perfil @yellow.us foi deletado logo depois que a jogadora Cristiane fez um comentário sobre sua insatisfação no Instagram da marca, mas agência das atletas ressaltou que mesmo depois do ocorrido e da notificação jurídica que fizeram à empresa, as bicicletas continuaram circulando pela cidade de São Paulo.

Visibilidade e valorização importam

Por anos a seleção feminina foi ignorada pela publicidade brasileira. O curioso é que todas as empresas que patrocinam as seleções, sempre puderam ativar igualmente as categorias masculina e feminina, mas não era isso que acontecia. Enquanto Neymar e companhia estrelaram diversas campanhas publicitárias ao longo dos anos, as mulheres da seleção passaram despercebidas sem ganhar atenção dos próprios patrocinadores da CBF.

Recentemente, o discurso começou a mudar. A representação da figura feminina passou a fazer parte de comerciais e campanhas que envolviam o futebol e o discurso das empresas reforçava a mensagem de que eles eram "patrocinadores de todas as seleções." O próprio Itaú – que patrocina as equipes masculina, feminina e de base da seleção brasileira de futebol desde 2008 – afirmou que fazer um filme contemplando diretamente o futebol feminino era um desejo da empresa desde 2017, quando foi lançado o filme "Sonhos" e que teve como narrativa base a paixão de uma garotinha pelo futebol.

Além do Itaú, o Guaraná Antarctica também fez seu mea-culpa. Depois de 18 anos patrocinando as seleções, a empresa admitiu que usou pouco as esportistas mulheres em suas próprias propagandas e fez um pedido para que outras empresas abrissem as portas para as jogadoras em suas campanhas. A marca de refrigerante contou com a atacante Cristiane, a meia Andressinha e a lateral-direita Fabi Simões na campanha #CoisaNossa.

A Vivo, em 2016, também aproveitou o momento às vésperas dos Jogos Olímpicos e produziu uma web-série com as jogadoras da seleção naquela época onde elas relatavam suas histórias e trajetória na modalidade.

Então, se para usar o nome dos jogadores de futebol – seja da seleção ou de qualquer clube do país – você precisa ao menos consultá-los sobre a ação – e provavelmente pagá-los por isso também -, com as jogadoras a história não pode ser diferente. Elas passaram anos ignoradas pela mídia, pela publicidade e pela própria gestora do futebol brasileiro. E, junto com tudo isso, sempre foram cobradas por resultados sem ao menos receberem apoio, sempre foram rebaixadas por pessoas que afirmam que a modalidade é "ruim" ou "chata de acompanhar".

Homenagem não é o suficiente e nem o justo para destacar as atletas do futebol feminino, ainda mais durante o período mais importante da equipe brasileira. Seja uma empresa patrocinadora da seleção ou não, o respeito precisa estar em primeiro lugar. E elas estão certíssimas em não abrir mão disso.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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