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Quem são as mulheres da delegação brasileira na Copa do Mundo feminina

Renata Mendonça

06/06/2019 06h46

Três anos e uma nova regra da Fifa separam a foto acima daquela que vem logo abaixo. Na primeira imagem desse post, vemos a comissão técnica da seleção brasileira feminina de futebol em 2016, às vésperas da disputa da Olimpíada do Rio de Janeiro. Eram mulheres em campo, mas somente homens no comando.

Uma nova determinação da Fifa mudaria essa realidade no mundo inteiro. Desde 2015 – passando a valer para todas as competições Fifa em 2016 (não é o caso da Olimpíada) -, qualquer seleção que dispute um torneio feminino da entidade precisa ter ao menos uma mulher na comissão técnica e uma mulher na comissão médica.

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A CBF se adaptou e cumpre exatamente essa regra: tem uma assistente e uma fisioterapeuta que garantem o cumprimento da cota. Além disso, a assessoria de comunicação da seleção feminina também é feita por uma mulher – Laura Zago.

Comissão técnica, médica, além de equipe de apoio da CBF na preparação para a Copa do Mundo feminina (Foto: CBF)

Conversamos com Bia Vaz e Katherine Ferro, que exercem um papel bem importante na preparação da seleção feminina para a Copa do Mundo da França:

Bia Vaz, 33 anos, assistente técnica (ex-jogadora de futebol, atuou até 2017, quando recebeu o convite de Marco Aurélio Cunha para ser assistente técnica de Vadão)

Você atuava como jogadora e agora está na comissão técnica. Quais diferenças você nos desafios que você tinha como jogadora em uma preparação para uma Copa do Mundo e quais desafios você vê agora como comissão técnica
Bia Vaz: Como atleta você precisa estar o tempo todo em alto rendimento porque essa é a demanda hoje. E como comissão técnica, você precisa observar essas complexidades de outras maneiras. A complexidade das ações são do conjunto, do sistema que precisa funcionar. Então quando eu era atleta, tinha que fazer essas coisas funcionar muito mais no individual. Agora com a comissão não, é uma engrenagem muito maior e que as peças precisam funcionar sim para que a máquina dê continuidade e alcance seus objetivos.

E quando você era jogadora, talvez todas as comissões técnicas pela qual você passou na seleção, não tinham mulheres no meio, como assistente e tal. E agora você é essa mulher. Qual é a importância disso?
Bia Vaz: Eu tive bastante sorte porque comecei no futsal e tive boas referências. Tive Andressa Azevedo no Cotia, tive a Sandra Santos na faculdade como minha treinadora, a Cristina como treinadora da Sabesp. Então na minha base eu tive muitas referências positivas de liderança, de mulher que gostava do futebol e que estava na área há bastante tempo e eu estar aqui hoje, vejo que pra elas também pode ser uma oportunidade de perceber que elas são atletas, mas que também depois podem partir para outros caminhos, não necessariamente a gente precisa sair do futebol no momento da aposentadoria. Então, eu vejo mais como uma boa referência, alguém que sempre vai oferecer o melhor e que pode contribuir com elas dentro e fora de campo.

Foto: CBF

Você já percebe em você uma diferença de visão da época em que era atleta nessa questão de tomada de decisão dentro de campo e agora como comissão? Quais diferenças você vê nessa sua visão de campo?
Bia Vaz: Puxa, eu acho que é um entendimento de espaços e a reação de estímulos, isso muda muito. Lógico que a minha condição física é quase nenhuma com relação quando eu treinava, mas a cabeça pensa, você percebe, mas à vezes não consegue executar. Qual é a vantagem disso? Você não pode fazer, mas pode então dar o caminho ou propor para que esses caminhos possam ser seguidos por outras pessoas também.

Então hoje você percebe que hoje tomaria outras decisões dentro de campo diferentes das decisões que tomou no passado?
Bia Vaz: Com certeza, principalmente nas reações e na intensidades. Eu sempre fui uma atleta que não tinha muita intensidade nas minhas ações, hoje em dia, as ações de alta intensidades são as que fazem diferença no resultado de uma partida. Então isso seria o ponto principal da minha diferença se eu jogasse hoje.

Bia Vaz participa às vezes dos treinos coletivos jogando com suas ex-companheiras de campo (Foto: CBF)

Qual é a importância da participação de mulheres nessa delegação?
Bia Vaz: É uma mudança de mentalidade, de grandes barreiras, então quando a gente consegue vir aqui e trabalhar de igual para igual, você divide seus conhecimentos, entende o que está sendo passado, você cria espaços e isso naturalmente vai acontecendo. Cada vez mais as pessoas conseguem entender a importância de outras mulheres fazerem parte de todo esse processo.

Katherine Ferro, 30 anos, fisioterapeuta (alagoana especialista em fisioterapia esportiva)

Foto: Dibradoras

Como seu caminho cruzou com a seleção?
Katherine: Eu trabalho junto com o Fábio Bryk há quase sete anos que é o fisioterapeuta responsável pela seleção e aí quando surgiu a exigência da Fifa de solicitar mulheres, tanto no departamento médico quanto na parte técnica, ele me chamou para trabalhar com a seleção. Cheguei a ir com a sub-17 para a Copa da Jordânia e desde então, acho que já tem uns quatro anos que eu estou vindo em convocações e trabalhando com as meninas. Esse vai ser o meu primeiro mundial com a seleção principal.

E como tem sido essa experiência aqui com as jogadoras? A gente tem visto também muitas lesões com as atletas. Queria saber como é essa relação do esporte com a mulher e como você vê isso para prevenir as lesões?
Katherine: Então, de fato é muito diferente. A mulher tem características que tornam isso diferente. Até a parte de ativação muscular, as regiões que são mais acometidas, tudo isso é diferente. Então, o que a gente acaba fazendo muito são avaliações em termos de força, que é um dos componentes que são mais importantes de prevenir lesões. Mas a gente sabe que até o período menstrual da mulher influencia muito mais numa probabilidade dela ter mais lesões, então é uma coisa que a gente sempre procura saber e tratar especificamente com cada uma delas.

Katherine fazendo tratamento na Marta em Portugal (Foto: CBF)

Como tem sido sua rotina na preparação delas para o Mundial?
Katherine: A rotina está muito intensa. A gente trata tanto daquelas que estão com sintoma mais sério, assim como aquelas que, por exemplo, pela carga do treino chega mais fadigada, aí a gente acaba soltando também a musculatura. No campo, a gente acompanha o treino, temos que estar de prontidão caso alguma se machuque. E no hotel, a gente vai cuidar das dores, tipo, quem está com dor muscular tardia e também com quem está com algum sintoma mais chatinho, a gente faz um tratamento de acordo com o que elas precisam.

Você vê alguma lesão mais comum para mulheres atletas? E como você vê a medicina nesse sentido de preparação física e fisioterapia evoluindo pra tratar da mulher atleta?
Katherine: Sim, tem algumas lesões que são mais comuns, como LCA que é bem característica até pelo quadril da mulher que é um pouco mais largo e isso acaba pré-dispondo. Às vezes até também a musculatura, a força, a ativação muscular que é diferente.

E sim, a medicina esportiva tem evoluído para incluir as mulheres. Existem alguns estudos saindo agora até para avaliar a prevalência de lesões, quais são, diferenças que existem na parte física entre homens e mulheres, por exemplo, déficit de ativação muscular ou déficit de força que estejam influenciando nisso. Tem estudos também sobre a influência do ciclo menstrual, por exemplo, na parte física, então tem bastante coisa saindo para ajudar a esclarecer isso e eu acho que as competições e a valorização do esporte que vai fazer com que cada vez mais estudos sejam feitos. É uma coisa que está progredindo, não tão rápido, mas está progredindo.

Você e a Bia são as únicas mulheres da comissão, como médica e como auxiliar técnica. Como você vê a importância de se ter mulheres nessas áreas?
Katherine: Ah, eu acho que é difícil falar, mas assim, muitas das atletas falam que elas se sentem bem porque sabem que a gente sabe o que elas estão sentindo na parte menstrual, o quanto a menstruação influencia na dor, por exemplo. Muitas delas têm dor lombar por causa do ciclo, então tem mais facilidade de se comunicar melhor, mas acho que é basicamente isso.

E você tava falando que não tinha trabalhado com o futebol antes e quais são as maiores lições que você aprendeu trabalhando com as seleções femininas?
Katherine: Nossa, foram muitas. Uma das maiores é a garra dessas meninas. É algo assim que me deixa impressionada e me faz querer lutar cada vez mais pelo futebol feminino. Acho que eu sempre tive uma coisa com o esporte feminino, mas quando eu entrei aqui eu vi isso muito mais. E a força delas em querer se recuperar rápido, estar sempre aptas a jogar, então isso me faz querer estudar mais para conseguir acelerar mais o processo.

*Na delegação que representa o Brasil na Copa do Mundo feminina na França, há quatro mulheres: a assessora Laura Zago, a assistente Bia Vaz, a fisioterapeuta Katherine Ferro, e a chefe de delegação, Michelle Ramalho, presidente da Federação Paraibana de Futebol. 

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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