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De mãe para a filha: como Isabel inspirou Carol a ser mãe e atleta

Roberta Nina

12/05/2019 04h00

Quando Isabel Salgado, então jogadora de vôlei do Flamengo e da seleção brasileira, apareceu grávida de seis meses e ainda assim jogando em alto nível nas quadras do país, muita gente se chocou. Afinal, como é possível uma mulher praticar exercícios pesados e continuar jogando durante a gestação?

Isabel atuando pelo Flamengo em sua segunda gestação (Foto: Reprodução TV Globo)

Apesar do tema ainda dividir opiniões, hoje a aceitação e o acesso à informação mudou um pouco essa realidade, mas o que ainda precisa ser discutido e melhorado são as garantias que uma mulher atleta precisa ter durante a gravidez e nos meses pós-gestação. Se no mercado de trabalho já é difícil ser mulher e mãe, no esporte é quase uma
escolha eliminatória.

Leia também: + Ela deixou o futebol 2 vezes pelo filho, mas voltou e vive auge na seleção

E são muitos os exemplos de mulheres que precisaram optar entre ser mãe ou profissional na área esportiva. E aquelas que optaram pela maternidade, sabiam do risco que correriam para voltar em alto nível e passaram por dificuldades físicas e emocionais. Destacamos a história de Carol Solberg, filha de Isabel que, assim como a mãe, decidiu ter filhos sem abrir mão do esporte. Fácil não foi, mas quem disse que ela desistiria?

Tal mãe, tal filha

Isabel é mãe de quatro filhos, três deles são atletas da mesma modalidade. Na ocasião da foto acima, a ex-jogadora estava grávida de Pedro Solberg, seu segundo filho que nasceu em março de 1986. Mesmo depois da maternidade, a ex-jogadora não abriu mão da carreira e os levou pelos países onde atuou, entre eles o Japão.

Isabel e seus quatro filhos: Pilar, Pedro, Carol e Maria Clara (Foto: Divulgação)

Assim como a mãe, Carol Solberg – que faz dupla com Maria Elisa nas areias – também desejava ter filhos e quis conciliar a maternidade com a carreira. Ela é mãe de José (seis anos) e Salvador (de três anos).  "Na verdade sempre tive vontade de ser mãe, nunca pensei em seguir minha carreira até o fim para engravidar depois. Estava buscando a vaga na Olimpíada em 2012 e quando vi que eu e minha irmã não iríamos conseguir (na época, Carol jogava com sua irmã, Maria Clara), decidi engravidar. Na segunda vez também aconteceu assim, estava com vontade, já sabia como era. Treinei nas duas gestações porque eu estava bem, tranquila, me cuidava porque eu sabia que queria voltar a jogar logo depois. E nas duas vezes eu voltei a treinar um mês depois. Quando eles tinham três meses, eu já viajei para jogar com eles", revelou Carol em entrevista ao podcast das dibradoras pela rádio Central3.

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Mesmo com duas gestações tranquilas, Carol revela que não existe uma receita certa. Cada filho é diferente e cada mulher enfrenta particularidades em cada gravidez. Mas quando se trata de uma atleta, onde seu desempenho depende muito do corpo, a pressão para voltar ao físico desejado exige muito da mulher. E são poucos os clubes e federações que tem a real dimensão do que envolve a maternidade.

Isabel com Carol Solberg (Foto: Divulgação)

No vôlei de praia, especificamente, a condução da carreira é bem diferente daquelas que ficam sob a gestão de uma Federação. É uma modalidade que depende demais de patrocínios próprios para que as atletas tenham condições de brigar por títulos importantes –  como a Olimpíada – e também bancar as viagens e o staff profissional, contratando, gerindo e pagando por eles (treinador, psicólogo, nutricionista, fisioterapeuta, massagista, preparador físico, ortopedista, analista de desempenho, assessor de imprensa e etc.). Quando Carol e Maria Elisa se juntaram em maio de 2017 investiram do próprio bolso para conseguirem dar start na parceria. 

"Foi muito difícil amamentar e treinar em alto nível. Dei sorte porque quando eu tive o José (em 2012), eu estava treinando com a seleção. Estava concentrada em Saquarema com minha babá, com meu filho e eles ficavam do lado da quadra. Então quando eu ouvia ele gritando, eu parava no meio treino, jogava uma água no peito e amamentava. Várias vezes passei por situações de ouvir meu filho chorar no meio do jogo. Quando acabava a partida, eu saia correndo para dar de mamar", disse Carol.

Carol Solberg com os filhos José e Salvador (Foto: Divulgação)

Carol relembrou que na gravidez de José contou com o apoio de patrocinadores que foram muito importantes durante esse período. "Me deram muita força, estive em alguns eventos participando de outras maneiras sem ser jogando e foi legal. Mas na gestação do Salvador eu não tive nenhum patrocínio, nada. Tive até alguns tipos de estresse com Federação, com pontos (do ranking) e foi bem chato."

Um desses episódios chatos envolvia a maneira como é feita a pontuação do ranking e a obrigação de voltar rapidamente à ativa. "Depois da gravidez, despenquei no ranking e no vôlei de praia você mantém cerca de 75% ou 80% dos pontos depois do nascimento do seu filho. Acho isso um absurdo, deveria manter 100% afinal, eu parei porque eu estava grávida", opinou Carol.

"São poucas as mulheres no Circuito Mundial que tem filhos então esse assunto até pouco tempo não era falado porque as meninas esperavam engravidar para discutir sobre. Mas também acho que muita gente opta por ganhar dinheiro e aproveitar 100% da carreira, mas claro que é uma escolha que acontece assim porque se tivéssemos mais garantias dos nossos direitos totais, seria mais fácil de tomar essa decisão. Isso começou a ser conversado entre as atletas e a Associação somente no ano passado", completou.

A dupla em ação em Fortaleza (Foto: Ana Patrícia Inovafoto CBV)

Um episódio em especial relatado por Carol às dibradoras deixou bem claro a maneira como alguns gestores pensam a maternidade – ou melhor, não pensam. A busca por resultados e lucros escondem a empatia que toda mulher precisa receber após ter um filho para se recolocar profissionalmente.

"Meu primeiro torneio pós-gravidez no Brasileiro, eu estava sem ponto nenhum (no ranking), tinha caído do torneio principal e por isso fui jogar um qualify que é um torneio tipo liga B e viajei com meu filho aos quatro meses. Eu amamentava a noite inteira, de duas em duas horas e esse era um torneio que, se você chegasse até a final, estaria classificada automaticamente para o torneio principal do Banco do Brasil. Eu cheguei na final, consegui meu objetivo que era me classificar e decidi não jogar a decisão porque eu estava morta, tinha chegado ao meu limite, amamentava a noite toda e estava exausta. Avisei que não iria jogar a final e um cara (da organização) queria me processar, me ameaçou. Eu estava com um bebê de quatro meses, amamentando, sabe? Achei isso uma falta de respeito", revelou.

Maria Elisa e Carol buscam vaga nos Jogos de Tóquio (Divulgação FIVB)

Aos 31 anos e depois de duas gestações, Carol Solberg vive sua melhor fase profissional e está também no auge da forma física. Ao lado de Maria Elisa venceu a temporada 2017/18 do Circuito Brasileiro, foi eleita a melhor jogadora  e Maria recebeu o prêmio de melhor saque. Em 2018, elas terminaram como o 3º melhor time do mundo. Em 2019, o foco esta totalmente voltado para a corrida olímpica, que iniciou em abril e segue até fevereiro do ano que vem.

"Meu sonho é conseguir essa vaga olímpica. Tento pesar nisso como uma coisa boa, tento não botar isso como um peso. Quero ter certeza quando acabar esse ciclo que eu cuidei de todas as coisas que eu acredito ser importantes pro meu time. E eu acho que tem que buscar ponto a ponto, torneio a torneio, sem ficar pensando tanto a cada etapa, senão fica muito pesado. Estamos nos preparando, temos uma equipe super legal que a gente confia e a acredita. A preparação é diária."

+ Ouça o podcast das dibradoras com Carol Solberg e Maria Elisa, no ar pela Central3:

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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