Topo

Dibradoras

Campeãs em reconstrução: como a seleção japonesa chega ao Mundial da França

Roberta Nina

08/05/2019 04h00

(Foto: FIFA)

Elas foram campeãs na Copa do Mundo de 2011, deixando pelo caminho fortes seleções, como Alemanha (as donas da casa) nas quartas-de-final, a Suécia na semifinal e os Estados Unidos na final. A partir daquele momento, a Nadeshiko Japan – como é conhecida a seleção feminina – passou a ser vista com outros olhos no cenário da modalidade. Mas, de lá pra cá, a seleção viveu altos e baixos.

Após a conquista inédita, a seleção japonesa foi finalista da Copa de 2015, não conseguiu se classificar para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016, trocou o comando da equipe principal, perdeu posições no ranking da FIFA, apresentou maus resultados na Algarve Cup de 2018 (quase comprometendo a vaga no Mundial) e, por fim, venceu o Mundial Sub-20 no final do ano passado.

Tiago Bontempo é jornalista do blog "Futebol no Japão" e acompanha o futebol japonês desde 2010. Para ele, o time asiático vive uma fase de reconstrução e de dúvidas, onde ainda não se sabe quais serão as 11 titulares da Copa no time comandando por Asako Takakura, a primeira mulher a treinar a equipe principal feminina no Japão. "A seleção chega correndo por fora, com um time renovado. Há muitas jogadoras jovens que ainda estão longe de atingir seu potencial. Pode-se dizer que o Japão está construindo um time para o futuro e que esta geração deve chegar forte mesmo na próxima Copa", revelou em entrevista às dibradoras.

Mudança no comando técnico

Norio Sasaki treinou a Nadeshiko por cerca de oito anos. Foi com ele no comando que a seleção conquistou o Mundial de 2011 derrotando a forte equipe americana nos pênaltis. Um ano depois, o Japão ainda conquistou a medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Londres, perdendo para as próprias norte-americanas na final.

Norio Sasaki com o time campeão de 2011 (Foto: © Getty Images)

Em 2015, um novo confronto com a seleção dos Estados Unidos rendeu ao Japão o vice-campeonato na Copa realizada no Canadá. Mas foi em 2016, após não conseguir a classificação para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro que o treinador caiu. Para ocupar seu posto chegou Asako Takakura, que fazia ótimo trabalho comandando as seleções de base do país. Antes disso, foi jogadora de futebol e defendeu a seleção nos Jogos Olímpicos de 1996 e nas Copas de 91 e 95.

A chegada de Takakura ao cargo gerou muita expectativa e foi muito apoiada por quem acompanha a modalidade, mas o trabalho da treinadora ainda não se firmou. Com maus resultados na Copa Algarve – entre eles, um 6×1 para a Holanda, classificado como a pior derrota do time em 16 anos – e no Torneio das Nações, a comandante japonesa não se importa nem um pouco em fazer diversos experimentos com suas atletas e tem respaldo para isso.

Asako Takakura foi campeã do mundo com a seleção do Japão sub-17 (Foto: Getty)

"Nos torneios oficiais, o Japão ganhou dois títulos ano passado. Foi campeão da Copa da Ásia e medalha de ouro nos Jogos Asiáticos. Nos amistosos contra as seleções de elite da Europa ou das Américas, é como se a Takakura estivesse escondendo o jogo. Ela sempre muda bastante as escalações, sempre testa jogadoras novas, faz escalações bem experimentais e não tem o menor pudor em usar os amistosos como laboratório, sem se importar com os resultados", afirmou Tiago.

Segundo ele, as últimas convocações feitas por Takakura foram bem diferentes umas das outras e a maioria das posições ainda é um grande ponto de interrogação. "Ela está testando o maior número possível de jogadoras e, na minha opinião, ela não quer mostrar suas melhores armas todas de uma vez antes da Copa do Mundo. Quem só vê o resultado final dos jogos não fica impressionado com o trabalho dela, mas creio que não existe pessoa melhor para desenvolver essas jogadoras", concluiu.

A liga japonesa

Após viver o auge em 2011 e assim como acontece em quase todos os países, o apoio ao futebol feminino no Japão não se compara com o masculino. De acordo com Tiago, a modalidade está vivendo uma fase de pequeno e gradual declínio desde 2013. "Não só os resultados da seleção, como também as médias de público da Nadeshiko League têm caído ano após ano. Não ter mais em atividade estrelas como Sawa e Miyama, que eram reconhecidas no país inteiro, além de ainda não ter surgido nenhuma jogadora que se equipare a elas, tem contribuído com isso também", revelou.

A Nadeshiko League ainda é amadora no país (Foto: Getty Images)

A Nadeshiko League – o campeonato principal da categoria – existe desde 1989 e a liga amadora conta com três divisões e 32 clubes. Tiago afirma que falta competitividade na liga onde apenas dois times se destacam: o NTV Beleza e o INAC Kobe Leonessa, equipes que contam com jogadoras da seleção no elenco. 

"Os outros times têm ficado bem abaixo, o que não vejo como algo positivo para a liga. Pelo menos o início desta temporada tem mostrado evolução dos times medianos como Urawa Reds, Albirex Niigata e Iga Kunoichi, e por enquanto não está sendo barbada para Beleza e INAC", completou Tiago. 

Um dos objetivos da JFA (Associação Japonesa de Futebol) é profissionalizar a modalidade após os Jogos Olímpicos de 2020, em Tóquio. A Federação quer mobilizar patrocinadores, empresas, atletas e o público para consolidar de vez o futebol feminino como parte da cultura do país

"Seria um passo enorme para o crescimento da modalidade no país. Só não sei ainda como vão fazer para que seja algo sustentável, quem vai viabilizar o investimento. Apesar de que no Japão não existe aquele estigma de que 'futebol é esporte de homem', o interesse no futebol feminino ainda é muito pequeno em comparação ao masculino", disse Tiago. 

A seleção de 2019

Com um trabalho impecável realizado na base do futebol feminino, o Japão conquistou o Mundial Sub-20  em agosto do ano passado, na França, ao vencer a Espanha por 3×1. Com esse título, completou seu hall de conquistas, já que a seleção japonesa foi campeã mundial com a Sub-17 em 2014 e com a seleção principal em 2011. É o único país a conquistar títulos nas três categorias do futebol feminino.

A "Young Nadeshiko" chegou pela primeira vez na final Sub-20 e foi campeã (Foto: Reprodução/Twitter FIFAWWC)

Nesta Copa do Mundo, veremos uma seleção jovem e com poucas veteranas. "Só duas jogadoras na casa dos 30 anos foram convocadas em 2019: a lateral Aya Sameshima (31) e a volante Rumi Utsugi (30). A líder desse time é a capitã Saki Kumagai (28), uma das melhores defensoras do mundo e que joga em um dos melhores times do mundo, o Lyon. Todas as outras zagueiras que têm jogado com ela ainda são muito novas, então a Kumagai é uma das maiores inspirações para o elenco", destacou Tiago.

Além de Kumagai, outro destaque dessa seleção é Mana Iwabuchi, que aos 26 anos irá disputar sua terceira Copa do Mundo. No Mundial Sub-17, em 2008, a atacante ganhou a Bola de Ouro da competição com apenas 15 anos. "É a estrela do setor ofensivo e que pode desequilibrar em lances individuais". Além dela, Tiago destaca Yui Hasegawa, meia de 22 anos que também foi campeã mundial sub-17 e tem sido convocada com frequência para a seleção principal.

Mana Iwabuchi celebrando seu gol contra a Inglaterra em 2008 (Foto: © Action Images)

Na Copa do Mundo da França, o Japão está no grupo D e estreia na competição contra a Argentina (10/6). Na sequência, enfrenta a Escócia no dia 14 de junho e finaliza a fase de grupos jogando contra a Inglaterra, dia 19 de junho.

Segundo Tiago, a seleção deve passar em segundo do grupo e avançar para a fase de mata-mata. "Ganhar da Inglaterra seria uma surpresa e tanto, mas espera-se uma vitória contra a Argentina e a partida crucial seria contra a Escócia. A expectativa é passar em segundo lugar. Acredito que o Japão tem time para ir até as quartas de final. O que vier além disso é lucro, menos que isso seria uma decepção."

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

Dibradoras