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Brasileirão histórico começa: o que falta para futebol feminino dar certo?

Roberta Nina

27/03/2019 09h43

Foto: Divulgação Palmeiras

*Por Renata Mendonça e Roberta Nina 

A segunda divisão (série A2) do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino começa nesta quarta-feira em uma edição histórica com a participação de 36 clubes. Pela primeira vez, o torneio contará com a participação dos clubes de camisa, que criaram suas equipes femininas em cumprimento à obrigatoriedade exigida pela CBF e Conmebol para a disputa dos torneios masculinos.

Nunca houve tantos clubes para as mulheres jogarem, nem tantas partidas para elas disputarem. Podemos dizer que o futebol feminino vive no Brasil e no mundo seu "auge", já que nunca se falou tanto sobre a modalidade como tem se falado agora.

Fora do Brasil, inclusive, o futebol de mulheres já rendeu frutos. O investimento feito pela Federação e pelos grandes clubes da Espanha começa a dar resultado nos recordes de público conquistados por Athletic Bilbao e Atletico de Madri, com 48 mil e 60 mil pessoas em seus respectivos estádios.

Na Itália, foi a vez da Juventus encher o Allianz Stadium com mais de 39 mil pessoas para ver o clássico contra a Fiorentina no último final de semana. Uma pequena amostra do que pode ser visto aqui no Brasil futuramente. Mas o que precisa ser feito para isso acontecer? Os clubes estão seguindo esse caminho?

 

Jogos

Os jogos do Brasileiro feminino, tanto na série A1, quanto na série A2 costuma acontecer no meio da semana, entre quarta e quinta-feira. O curioso é o horário em que eles são realizados: o padrão é 15h. É isso mesmo, no meio da tarde, em horário útil para a maioria das pessoas. 

Na semana passada, por exemplo, aconteceu o primeiro clássico do ano entre o  Corinthians (atual campeão brasileiro) e o Santos (atual campeão paulista) em uma quinta-feira nesse horário nada amistoso para o torcedor. Às 3h da tarde, não deu para colocar no Parque São Jorge o público que esse jogaço mereceria.

Na série A2, a ideia se repete com clubes como São Paulo e Palmeiras estreando neste mesmo horário. A justificativa também costuma ser a mesma para todos: fazer um jogo à noite gera mais custo para o clube, e o futebol feminino ainda não gera receita e só representa gasto. 

O custo é real, mas chega a ser um pouco contraditório querer que um time de futebol feminino seja lucrativo quando a opção encontrada pelo próprio clube é mandar os jogos das mulheres em plena quarta-feira, às 3h da tarde e sem nenhuma visibilidade. As partidas com público recorde na Espanha e na Itália aconteceram aos domingos durante à tarde. Não dá para esperar estádio cheio e interesse do torcedor com jogos no meio da semana e durante a tarde. Falamos sobre isso com o Supervisor de futebol feminino do São Paulo nesta terça-feira. 

Foto: Rubens Chiri/saopaulofc.net

"Para que a gente tenha essa aproximação do torcedor para a nossa casa, tem que ser com o tempo. Dentro da viabilidade que temos agora, a solução que encontramos foi mandar os jogos em Cotia, porque precisa ser um estádio pela exigência da competição, então não pode ser aqui no complexo social. Infelizmente, a modalidade ainda não é auto-suficiente para abrir o estádio, fazer a estrutura do jogo ainda é um um custo alto e ele começa a ficar cada vez mais negativo", explicou Amauri Nascimento. 

Um dos poucos clubes de camisa que têm jogos do feminino acontecendo no estádio oficial do time, o Vasco da Gama está voltando a gerir a modalidade depois de anos sem time feminino na categoria profissional e jogará a A2 este ano com estreia marcada para este sábado, às 15h, diante do Aliança-GO. A partida vai acontecer em São Januário e segundo o clube, os jogos do Vasco durante a competição poderão acontecer lá ou no CT ArtSul , conforme adequação de tabela com o futebol masculino profissional e sub-20. Já é um passo na direção certa levar as mulheres para jogar no estádio que os homens jogam. 

Há que se ressaltar outro aspecto importante no processo de desenvolvimento do futebol feminino no país: a divulgação. Os clubes costumam reclamar da falta de visibilidade na imprensa – uma reivindicação mais do que digna -, mas muitas vezes eles próprios não dão às mulheres a visibilidade dentro dos próprios canais de comunicação oficiais. Lá fora, é comum ver os principais times criando contas específicas para as mulheres dentro do clube, como acontece com os Twitters de Barcelona, Atlético de Madri e Juventus feminino, por exemplo. Não é que esses times não divulgam nada da equipe feminina no canal principal, mas eles utilizam a conta específica criada para as mulheres para dar mais ênfase na divulgação das atividades delas. Aqui alguns adotam a mesma estratégia, como Santos e Corinthians.

 

Quando você pega uma rede social do São Paulo, por exemplo, são inúmeras notícias divulgadas para o time principal masculino, para todas as categorias de base, o basquete e também o feminino. Muitas vezes aí as notícias delas acabam se perdendo. No caso do Palmeiras, a situação é ainda mais agravante. O clube afirma que usa suas redes sociais oficiais para divulgar o time feminino, mas a última postagem do instagram sobre a equipe delas aconteceu em 13 de fevereiro, justamente quando as jogadoras foram apresentadas. Elas estreiam nesta quarta em Vinhedo e não há nenhuma menção a isso no Twitter oficial, nem no Facebook até a manhã de hoje. Como os torcedores podem se interessar pelo futebol feminino do clube se nem o próprio clube faz questão de informar para eles o que acontece no time das mulheres?

 

Expectativa x Realidade

No mundo ideal, uma emissora de televisão é quem deveria fazer a transmissão de um jogo do Campeonato por rodada – assim como acontece com o futebol masculino. Mas como a mídia não tem interesse no produto – ou não é incentivada a ter – os clubes acabam sofrendo com a falta de visibilidade.

Pensando em sanar esse problema, uma parceria inédita foi feita para esta edição do Brasileiro Feminino. A CBF firmou um acordo com o Twitter e a rede social ficou responsável por exibir apenas um jogo da rodada em sua plataforma. O problema é que esse acordo – que ainda não está muito bem esclarecido – envolve uma exclusividade que acaba prejudicando os clubes.

 

Na primeira rodada da Série A1, os times tentaram transmitir os jogos por suas redes sociais e foram informados de que não poderiam fazer isso. A parceria que tinha o objetivo de massificar a modalidade acabou limitando ainda mais a divulgação dos jogos. Na Série A2, por enquanto, Palmeiras e São Paulo dizem que farão suas próprias transmissões. Em nota, a CBF explicou às dibradoras sobre o acordo:

"A CBF trabalha para anunciar em breve transmissões em outras plataformas das Séries A-1, A-2 e Sub-18. Os clubes serão convidados para uma reunião e esclarecimento de todas as questões. O objetivo é dar a maior visibilidade para a competição."

Cristiane será uma das atrações da Série A2 do Brasileiro feminino (Foto: dibradoras)

Por enquanto, a conta do Brasileirão Feminino fez duas transmissões pelo Twitter nas primeiras rodadas. Os jogos foram: Corinthians x Ponte Preta (16/2) e Corinthians x Santos (21/3). Nesta quarta-feira (27/3),haverá a transmissão de Flamengo x São José. Ou seja, os times grandes ganharam espaço, mas será que os jogos entre equipes menores também serão contemplados?

É preciso entender todo esse contexto antes de dizer que "o futebol feminino não dá certo no Brasil" ou que "ninguém quer ver futebol feminino". São muitos os países que estão mostrando que dá, sim, muito certo se houver vontade de fazer acontecer. Enquanto por aqui os clubes e as federações enxergarem a modalidade apenas como um "custo" ou um "problema", não tem como dar certo. Mas com o mínimo de investimento e atenção, é possível ter muito retorno e, inclusive, lucro.

 

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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