Troféu, homenagem e placa perdida: a valorização tardia de Marta
Há pouco mais de um mês no Brasil, a jogadora Marta tem recebido diversas homenagens muito antes de por aqui pisar. Tem sido assim desde a conquista de sua sexta bola de ouro, em setembro deste ano. Desde então, grande parte da imprensa e a Confederação Brasileira de Futebol resolveram "tirar o atraso" e reconheceram o valor daquela que já é a maior jogadora de futebol de todos os tempos há muitos anos.
A sexta bola de ouro da carreira da atleta foi conquistada oito anos depois do último prêmio. Marta levantou este troféu em outras cinco ocasiões de maneira consecutiva – 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010 -, mas somente na última o feito foi notado como de fato merecia. E, com isso, ela segue como protagonista em eventos e honrarias.
Foi assim em outubro deste ano quando a CBF – que não tem computado até hoje o número de gols marcados pela maior artilheira da seleção brasileira – expôs um pôster gigantesco na fachada do prédio da entidade em forma de agradecimento à atleta. O mesmo aconteceu no Estádio do Maracanã.
Depois da premiação da FIFA, um dos primeiros eventos em que Marta esteve presente foi o Bola de Prata – criado pela Revista Placar na década de 70 e organizado pela ESPN desde 2016 -, que premia os craques da temporada a partir de análises dos torcedores e jornalistas.
O evento também oferece o troféu Bola de Ouro, dedicado a grandes nomes do futebol brasileiro – Pelé já recebeu essa honraria – por toda sua trajetória no esporte. E lá estava Marta, depois de quase 20 anos de carreira, sendo lembrada por um prêmio tão tradicional do esporte brasileiro.
Sua presença contou com cobertura especial da emissora, que passou um dia todo acompanhando a jogadora, falando sobre sua carreira, conquistas, sonhos e incluindo sua participação em programas renomados da grade de programação. Foram reportagens dignas de uma celebridade, como de fato ela é – e como a gente desejava ter visto há anos.
A CBF também não ficou atrás. No dia seguinte, contou com a participação da jogadora no Prêmio do Brasileirão, que também elege os melhores jogadores do país durante a temporada. Pela primeira vez, o evento foi igualitário e elegeu também as 11 melhores atletas – mulheres, no caso – que disputaram o Brasileirão Feminino entre os meses de abril e outubro.
E pelas mãos de sua mãe Tereza, Marta recebeu mais um troféu como homenagem por sua carreira e seus feitos conquistados e, novamente, pela primeira vez no Brasil.
As honrarias não param e na última segunda-feira (10/12), a camisa 1o da seleção foi eternizada na Calçada da Fama do Maracanã. Ela está ao lado de outros grandes nomes do futebol – homens, é claro – como, entre outros, Zico, Pelé, Garrincha, Rivelino, Zagallo e Roberto Dinamite.
E muito se comemorou, afinal "a primeira mulher da história do futebol" teve a chance de cravar seus pés em um espaço tão seleto e ilustre do esporte. Mas o fato é que esse ritual já foi cumprido por Marta em 2007, logo após a conquista da medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro.
Marta já esteve lá, já deixou a marca de seus pés em uma placa de gesso no estádio diante de autoridades políticas e do esporte como o então secretário de Turismo, Esporte e Lazer do Rio de Janeiro na época, Eduardo Paes (que foi prefeito da cidade entre 2008 e 2016), João Havelange e Carlos Arthur Nuzmann.
Mas ela precisou refazer o mesmo rito porque a administração do estádio simplesmente perdeu a placa feita 11 anos atrás. Perdeu, assim, sem nenhum apreço, como quem perde uma caneta dentro de casa.
Até mesmo o convite para a cobertura de imprensa do evento aconteceu em cima hora, quando a atual concessionária avisou os jornalistas sobre a homenagem apenas no mesmo dia, via e-mail, poucas horas antes do início da cerimônia.
E foi assim, surpresa, que Marta – a primeira mulher a figurar a Calçada da Fama do Futebol no Maracanã – repetiu o ato pela segunda vez na vida. O staff da jogadora questionou a organização sobre a primeira placa e ouviu como resposta que o molde antigo dos pés não havia sido repassado à concessionária pelo governo do Estado (em 2013), quando o Maracanã passou a ser administrado pelo consórcio.
Em contato com o portal Globoesporte.com, o Consórcio Maracanã S.A. (atual gestor do Estádio) e a Suderj (Superintendência de Desportos do Estado do Rio de Janeiro) não conseguiram explicar onde foi parar a primeira placa de gesso com os pés de Marta.
É muito triste e desrespeitoso ver a maneira como o Brasil trata seus ídolos, especialmente as mulheres. Por anos elas foram excluídas de reverências e tiveram suas presenças negadas onde quer que fosse: na TV, na imprensa, nas homenagens, nas premiações.
Somente este ano, uma mulher foi premiada com a Bola de Ouro no Brasil. O mesmo aconteceu na França – com a Bola de Ouro promovida pela France Football para a norueguesa Ada Hegerberg, que logo após levantar um troféu tão importante foi surpreendida com o pedido "pode dar uma reboladinha?"
Pela primeira vez, a CBF , organizadora do campeonato Brasileiro Feminino desde 2013, resolveu incluir mulheres na premiação que destaca os melhores atletas da temporada. Por que elas ficaram tanto tempo esquecidas?
E para agravar ainda mais a situação, quando finalmente reconhecem o feito de uma atleta – como ocorreu com Marta em 26 de julho de 2007 -, não conseguem nem zelar por um patrimônio desta magnitude, responsável por eternizar os feitos de alguém que dedicou grande parte da vida ao esporte e pode facilmente encorajar tantas outras mulheres a buscarem seus próprios sonhos.
Já faz tempo que precisamos trazer à tona as conquistas das mulheres. São várias as homenagens prestadas a diversos jogadores de várias gerações nesta Calçada da Fama do Macaranã, mas só Marta aparece por lá representando as mulheres.
Digo "só" não com o intuito de diminuir o feito da maior jogadora de futebol de todos os tempos, mas para abrir os olhos para a história de outras atletas – que vieram antes de Marta, inclusive – digna de reverências, como Sissi, Roseli, Pretinha, Katia Cilene, Cristiane, Formiga, Michael Jackson, Juliana Cabral, Aline Pellegrino, Rosana, entre outras.
Preservação de memória é coisa séria e parece que agora, depois de anos recebendo singelos cumprimentos e palminhas sem entusiasmo, resolveram dar valor à maior artilheira que a camisa verde e amarela já teve.
Que bom, antes tarde do que nunca. Melhor seria, no entanto, que o zelo e o respeito à história daquelas que abriram mão de grande parte de suas vidas para levar o nome deste país tão longe fosse regra número um.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.