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Colo Colo se torna 1º clube do Chile a incluir cota feminina na diretoria

Renata Mendonça

03/10/2018 06h37

Foto: Divulgação

Não é comum ver mulheres ocupando cargos em clubes de futebol. São raríssimos os nomes delas que aparecem nas listas de diretores ou dirigentes e, em geral, o espaço dado a elas tende a se restringir a alguns papéis mais conhecidos por serem "femininos": o da nutricionista, o da psicóloga ou, no máximo, o da assessora de imprensa (e até aqui elas ainda são raras).

Mas neste ano, um dos principais clubes de futebol do Chile decidiu abrir as portas para as mulheres e torná-las parte do dia a dia da equipe. Uma comissão de gênero foi criada internamente para ouvir as demandas das torcedoras, que já estavam há algum tempo unidas contra o assédio e o machismo que sofrem nos estádios.

A reunião que marcou a oficialização do grupo como parte integrante do Colo Colo aconteceu em 26 de abril. Desde então, as mulheres passaram a atuar internamente dentro do clube para levar a visão feminina da torcida aos dirigentes. A medida deu tão certo que, no último sábado (29/09), uma Assembleia Geral de Sócios aprovou a criação de uma cota feminina para inserir mulheres na diretoria do clube. Agora, na próxima eleição, haverá pelo menos duas mulheres eleitas para os 9 cargos disponíveis.

"Estamos muito felizes e agradecidas por cada um dos sócios que votaram a favor de mudanças nos estatutos do clube. Estamos dando um passo muito importante em nível de clube e em nível de nação, já que o Colo Colo se torna o primeiro clube do país que inclui uma lei de cotas dentro de seus estatutos internos. Sabemos que isso será um exemplo para outras organizações também buscarem modernizar os seus estatutos para buscar uma representatividade das mulheres dentro dos clubes ", declarou Maricela Franco, representante da Comissão de Gênero do Colo Colo.

Foto tirada após assembleia que confirmou a inclusão da cota feminina na diretoria do clube

"A partir de agora, o Colo Colo será um time mais igualitário que incorporará a visão das mulheres nas diretrizes do clube. O objetivo é também passar uma mensagem de equidade de gênero. Queremos um clube mais inclusivo em que a participação das mulheres seja incentivada e seja reconhecida na liderança ", afirmou.

O presidente do Colo Colo também se disse muito satisfeito com a medida. "Acredito que somos a vanguarda em nível de clube no país, estabelecendo essa cota de gênero de 60/40 e para esta eleição, No Conselho Nacional de 2018, dois dos nove membros são sócias do clube. Acho que é merecido, nossos membros precisaram disso e o clube estava em dívida com elas, mas acho que cumprimos algo muito significativo incluindo sócios e sócias na diretoria ", afirmou

A comissão das torcedoras do Colo Colo existe há bem mais tempo, desde 2015. Uma das fundadoras da iniciativa foi Maricela Franco que tinha 11 anos quando recebeu sua carteirinha de sócia do clube como presente de Natal. Hoje, ela trabalha ali dentro para criar ações que promovam igualdade entre torcedores e torcedoras.

A luta delas era para que a questão de gênero fosse inserida na agenda do clube. As reivindicações começaram quando as torcedoras se deram conta de que no corpo diretivo do clube quase não havia mulheres. "Queremos igualar a participação das mulheres no clube. Hoje, 95% do conselho é do sexo masculino ", diz.

Reunião que oficializou a criação da Comissão de Gênero dentro do Colo Colo (Foto: Divulgação)

"Nós consideramos que a torcedora do Colo Colo é invisibilizada na história do clube, porque não tínhamos qualquer representação feminina dentro da diretoria. E porque também não havia qualquer esforço para igualar as condições de acesso de homens e mulheres dentro do clube", afirmou Maricela Franco às dibradoras.

A comissão tentará, acrescenta Franco, "reeducar a torcida e acabar com os estereótipos". Fazer com que os torcedores aceitem que as mulheres podem também ocupar as arquibancadas e participar do futebol da mesma maneira que eles. Uma das principais críticas das representantes do grupo, inclusive, era sobre os cantos machistas entoados pela torcida no estádio. Para combater isso, elas criaram uma cartilha "pelo fim do machismo no futebol" pedindo o fim do uso de alguns termos sexistas usados pelos torcedores para agredir os rivais.

"Metade das músicas de futebol usa termos que humilham as mulheres. Isso sem falar nos casos de assédio, os toques que a gente recebe no estádio. Os banheiros femininos muitas vezes estão interditados, parece que eles acham que não há mulheres nos estádios", disse a torcedora.

"A paixão pelo Colo Colo nos move. Ser mulher nos detém", dizia a faixa das torcedoras (Foto: Divulgação)

Ações na arquibancada

Uma das principais ações do grupo neste ano aconteceu justamente no jogo contra o Corinthians pelas oitavas de final da Libertadores. Era a primeira vez que o clube jogaria esta fase do torneio continental após 11 anos, e a Comissão de Gênero, agora oficializada no clube, convocou a torcida para levar os famosos lenços verdes em defesa da legalização do aborto – que estava sendo definida em votação no Senado da Argentina naquele mesmo dia.

Seria uma maneira de demonstrar apoio às mulheres do país vizinho e também de reforçar essa discussão no próprio Chile, onde tem acontecido também diversos protestos para derrubar a lei que ainda criminaliza o aborto.

Além de ações como essa, os objetivos da Comissão de Gênero são promover e consolidar a participação das mulheres "colocolinas" (como se chamam as torcedoras do Colo Colo) em todas as instâncias do clube, dar visibilidade às mulheres no Colo Colo, potencializar as lideranças femininas na instituição, promover a participação feminina nos espaços de discussão e tomada de decisão do clube, entre outras coisas.

O grupo, que já teve uma conquista importantíssima junto ao clube, garantindo uma proporção 60-40 na diretoria do Colo Colo nas próximas eleições, acredita que essa é uma iniciativa que deveria ser adotada por todos os times do país. "No contexto mundial em que estamos, acreditamos que qualquer instituição que se considere democrática deve incluir mulheres, jovens e imigrantes em sua tomada de decisões. Quando se inclui todos eles, não só ganha a instituição, mas também a sociedade como um todo. No esporte, é necessário que existam comissões de gênero nos clubes, porque nessa área em específico há muito machismo e isso provocou um abismo na diferença da participação de homens e mulheres que, em 2018, já se tornou algo inaceitável", concluiu Maricela Franco.

Torcida levou os lenços verdes em apoio a descriminalização do aborto (Foto: Divulgação)

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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