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Elas trocaram o jornalismo esportivo na TV pela liberdade do Youtube

Roberta Nina

02/10/2018 13h00

Maíra Lemos também é boleira (Foto: Arquivo Pessoal)

As jornalistas Maíra Lemos e Monique Cardone têm muita coisa em comum. São mulheres que encontraram na profissão a saída para tantos questionamentos e curiosidades, trabalharam em grandes veículos da imprensa e depois de muito aprendizado e rotina puxada, decidiram por conta própria produzir seus próprios conteúdos de maneira independente.

Com o avanço da internet e o Youtube em alta, abriu-se um leque de possibilidades para aqueles que buscam a tão sonhada liberdade editorial para fazer os mais diversos tipos de relatos e coberturas.

Maíra tem 36 anos, nasceu em Belo Horizonte e escolheu o jornalismo por ser muito curiosa. Ela entrou no esporte num acaso do destino, fez carreira na Globo de Minas e depois resolveu trocar o certo pelo incerto pelo prazer de poder contar as histórias que não tinham chance de emplacar na TV. Hoje, seu canal no Youtube tem mais de 65 mil inscritos.

(Foto: Reprodução/Youtube Maíra Lemos)

"A Globo é um tiro de canhão, você tem um público garantido muito grande, só que eu tinha vontade de contar histórias que muitas vezes não têm espaço na TV. Eu propunha pautas diferentes do que rola no dia a dia e elas raramente eram aprovadas. E aquilo foi me frustrando. Então, ter a liberdade de contar histórias que eu acho que merecem destaque, vale muito mais a pena, mesmo que eu fale com uma ou duas pessoas do que falar mais do mesmo pra um milhão", disse.

Com Monique, carioca de 32 anos, a história é bem parecida. Decidiu fazer jornalismo para poder contar histórias, foi parar no Jornalismo Esportivo por uma oportunidade do mercado e acabou decidindo sair recentemente pelo desafio de produzir seu próprio conteúdo.

Monique ficou famosa pelo trabalho com o Cartola (Foto: Arquivo Pessoal)

"No final do ano passado, muitas pessoas disseram 'faz um canal no Youtube, você manja pra caramba de Cartola', mas eu não podia por conta do meu contrato com a Globo. Era uma coisa que eu gostaria porque eu vim da internet, minha formação foi ali", revelou.

"A Globo me dava um respaldo incrível, mas ao mesmo tempo eu tinha limitações. Eu queria ter algo onde eu pudesse ser a jornalista que eu quisesse".

No início deste ano, ela decidiu que tinha chegado o momento e também começou a se preparar para a mudança. Depois de seis anos na TV Globo, pediu demissão há poucos meses, lançou o canal "Mitadas com Monique Cardone" no Youtube e saiu de férias. Deixou alguns conteúdos prontos e agora que voltou, há duas semanas, se dedica integralmente ao seu trabalho, traçando uma rotina de trabalho e buscando parcerias.

(Foto: Reprodução/Youtube)

"As pessoas têm que buscar felicidade e não status. O que importa é a satisfação profissional. E eu queria tentar fazer do meu jeito. Pode ser que eu me arrependa? Pode, mas eu precisava pelo menos tentar.", revelou a jornalista que em apenas um mês no ar pelo Youtube, já conseguiu 6 mil inscritos no canal.

Início

Monique começou sua relação com o esporte jogando vôlei na infância e acompanhando o pai e o irmão em jogos de futebol. Já Maíra, desde cedo se descreve como "transgressora" na prática esportiva. "Escolhi a modalidade que diziam que eu não podia praticar. Falei: esse aqui que é proibido? É esse aqui que eu quero, e fui jogar futsal".

Por jogar bola nas ruas com os meninos, Maíra percebeu que estar ali era uma forma de resistência e assim seguiu em frente. "Com uns 10 anos, eu cismei de aprender a jogar e descia pro pátio do prédio sozinha porque eu não era bem-vinda no jogo. Pedi uma bola pra minha mãe e ficava chutando ela na parede até aprender alguma coisa. Fui melhorando, fundei uma escolinha de futebol feminino no colégio e pratico até hoje como hobby", revelou. Como forma de imortalizar sua luta, escreveu um livro infantil chamado "Gol de Budi", onde conta sua experiência ainda jovem no futebol e fala de igualdade de gênero no esporte.

Livro escrito por Maíra sobre sua história de infância com o futebol (Foto: Arquivo Pessoal)

Foi o jornalismo que deu a elas a oportunidade de seguir no esporte. Ambas construíram uma carreira muito consolidada dentro da TV Globo e cobriram grandes eventos esportivos, como Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. Maíra foi contratada como repórter do Globo Esporte e rapidamente virou apresentadora em Belo Horizonte. "É uma ralação maluca, rotina muito puxada, mas cobri os principais eventos, Libertadores, Mundial de Clubes, Copa do Mundo e queria encerrar meu ciclo na Olimpíada. Meu sonho era cobrir a seleção feminina de futebol e fiquei 40 dias com elas na Rio-2016", disse.

Maíra cobrindo a seleção feminina na Rio-2016 (Foto: Facebook/Maíra Lemos)

A experiência de Monique na filial do Rio de Janeiro é bem similar. Depois de trabalhar no site do Esporte Espetacular por cerca de 8 meses, a paixão pelo Cartola acabou virando sua editoria no final de 2013. "Tinha um programa que falava sobre o Cartola no site e a pessoa que apresentava estava de férias. Aí eu pedi para fazer o trabalho e deu super certo, a aceitação do público foi muito boa. Além de eu entender de futebol e do jogo, eu tinha uma linguagem própria de internet", conta Monique que um ano depois, assumiu o comando do programa sozinha. Com o sucesso na internet, ainda teve a oportunidade de trabalhar na TV e cobrir a Olimpíada do Rio.

Preconceito

Quem não se lembra de Ronaldinho Gaúcho dizendo "quer namorar comigo?" para Maíra Lemos durante uma entrevista? Era 2013 e dia Internacional da Mulher. Maíra cobria um jogo do Galo no Independência e perguntava aos jogadores se eles trariam a vitória para as mulheres que estavam acompanhando a partida.

"Com o Ronaldo foi uma brincadeira, ele não me desrespeitou com a resposta, afinal, fui eu que entrei na vida pessoal dele ao perguntar se ele estava namorando. Já fiz outras reportagens com ele e nunca me desrespeitou", relembrou Maíra.

Mas é claro que a jornalista já passou por situações onde precisou ser firmar e driblar alguns assédios e machismo. "Já aconteceu outros casos com jogador de futebol. Em um deles, um cara descobriu meu telefone e me ligou pra perguntar 'que dia a gente vai sair?' sem eu ter dito alguma vez que queria. Acho que as pessoas têm o direito de paquerar, mas não é assim", afirmou.

Monique cobrindo a Paralimpíadas no Rio de Janeiro (Foto: Facebook/Monique Cardone)

Monique contou que não sofreu nenhum tipo de preconceito direto, mas já ouviu algumas gracinhas. "Já aconteceu, por exemplo, de estar entrevistando alguém e o cinegrafista pedir para o entrevistado olhar para mim ao invés de olhar para a câmera. E nesse hora, o entrevistado respondeu 'é claro que vou olhar, ela é bonita'. Eu não ri nessa situação, simplesmente fechei a cara para deixar claro que eu não gostei", contou.

Novos caminhos

Após os grandes eventos que aconteceram no Brasil, as duas jornalistas sentiram a necessidade de ir além, de buscar novas formas de fazer seus trabalhos e mais do que apenas reportar, queriam ter liberdade de conteúdo e prazer em produzir aquilo que acreditavam.

O contrato fixo com uma grande empresa limitava a criação de projetos pessoais e aí chegou o momento da decisão. "Sou muito corajosa. Todos os lugares que trabalhei, pedi demissão. Quando já não tinha mais desafio, eu ia buscar outra coisa. Só que na TV, eu tinha muito a perder porque era uma carreira construída, estabilizada, era um canal muito grande, então eu tive que pensar e planejar muito", contou Maíra.

Maíra não fala apenas de futebol em seu canal (Foto: Facebook/Maíra Lemos)

A jornalista mineira passou um ano trabalhando e planejando como colocaria seu plano B em prática. Fez uma pós em Comunicação Digital e, antes de pedir demissão, juntou dinheiro para investir no projeto.

"Como mulher, tinha medo disso. Nós não somos estimuladas a mexer com dinheiro, a chefiar. Então eu fui entender tudo e me planejar".

Hoje, Maíra conta com uma pequena equipe de editores e cinegrafistas que ajudam na produção de conteúdo. Ela também tem patrocínios temporários de algumas empresas e marcas. "Fiz, por exemplo, uma série durante quatro meses onde viajava para mostrar a gastronomia mineira patrocinada pelo Governo. Também morei por uma semana no Mineirão a convite deles e mostrei que ali era muito mais do que apenas um estádio", contou.

"Fazer a minha rotina faz muita diferença. Tem dias que eu estou de TPM, então sei que posso não render muito. Então, me dou ao luxo de trabalhar menos, ficar um pouco mais quieta, não marcar gravação neste dia, essas coisas", disse.

Já o conteúdo de Monique para seu recém-criado canal abordará predominantemente esporte e Cartola. "Devo abrir para outros temas, mas não muito. Um dos meus sonhos é conhecer todos os estádios de futebol do mundo. Toda vez que viajo, tento conhecer algum estádio e ver uma partida de futebol", contou Monique que aproveitou a viagem de férias para a Grécia e mostrou como é o estádio do Olympiacos.

"Hoje eu vivo uma experiência nova, de um modelo de trabalho que nunca tive. Fazer as coisas do meu jeito, falar, editar, entrevistar, fazer o conteúdo que eu quero é muito bom. Posso até errar, mas é assim que vou aprendendo.

Sobre o futuro, Monique Cardone deixa em aberto, mas espera seguir nesse caminho até quando achar necessário. "A ideia não é seguir pra sempre com uma coisa. As pessoas mudam, principalmente nós mulheres. Eu penso ter filhos daqui uns dois anos e sei que minha rotina vai ser diferente. É tudo uma questão de planejamento de vida pessoal e profissional. Quero que o projeto dê certo e vou trabalhar para isso, para fazer ele firmar e me sustentar com ele. Se receber uma proposta irrecusável também posso analisar. Acho que é assim que devemos levar as coisas."

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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