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O que acontece quando 3 torcedoras comandam um canal pra falar de futebol?

Roberta Nina

06/09/2018 04h39

(Foto: Trétis TV/Divulgação)

Elas torcem na arquibancada desde pequenas e vivem o amor pelo Atlético Paranaense com muita intensidade como herança de seus familiares. Desde o início do ano comandam o programa "Trétis por Elas" que faz parte da Trétis TV, o maior canal não oficial do Atlético Paranaense, feito pelos torcedores e destinado a conteúdos sobre o Rubro-Negro.

Após pedidos do público que sentiam falta de uma representatividade feminina no canal, Rhaissa Silva, Thays Bonfim e Fernanda Oliveira chegaram para comandar semanalmente o programa onde elas opinam sobre os jogos da rodada, analisam o desempenho dos jogadores, o esquema tático da equipe e demais assuntos que envolvem o time do coração.

Thays Bonfim, uma das integrantes do "Trétis Por Elas" (Foto: Divulgação)

A Trétis TV foi idealizada pelo torcedor Vinícius Furlan, está no ar desde 2014 e tem quase 8 mil inscritos no Youtube, além de 14 mil seguidores no Instagram. O convite para que um canal feminino fosse feito chegou até Rhaíssa – que já conhecia um dos integrantes – e, na sequência, eles selecionaram as outras duas participantes.

"Nossa principal proposta é mostrar que mulher também entende de futebol e que também vamos ao bar e bebemos cerveja", contou Rhaíssa às dibradoras, revelando que os próximos vídeos das meninas – além do estúdio – serão também gravados em um bar.

O canal não tem nenhuma relação com o clube, é feito sem fins lucrativos pelos torcedores, e Rhaíssa nos disse que não há nenhum tipo de aproximação ou diálogo com o Atlético Paranaense. "Não sei ao certo, mas acho que eles acreditam que somos contra a atual diretoria. Mas a gente segue nossa vida", afirmou.

Na programação do canal, elas comentam o pós-jogo da rodada e as últimas notícias que envolvem o clube. Os vídeos vão ao ar todas as sextas-feiras.

Rhaíssa é jornalista e tem 26 anos (Foto: Divulgação)

Uma das novidades será o quadro "Histórias escritas pelo futebol" que será lançado em breve. Os torcedores devem relatar suas histórias torcendo pelo Furacão e o torcedor escolhido irá gravar com as meninas no bar. Essa é uma maneira de aproximar as apresentadoras do público.

Público esse que no começo não foi muito receptivo com a chegada do programa no canal. "Já sofremos com o machismo. No primeiro vídeo nos xingaram de vagabundas, piranhas e até escreveram que, se fossemos prostitutas estaríamos ganhando mais", recorda Rhaíssa. As meninas não aceitaram esse tipo de ofensa e denunciaram o agressor. "O cara foi demitido do emprego dele por conta dos xingamentos que ele nos fez".

Rhaíssa conta que as críticas diminuíram bastante, mas recentemente elas passaram novamente pela mesma situação. "Nos últimos dois vídeos, um cara começou a reclamar muito da gente. Dizia que a gente não sabia de futebol e que não deveríamos estar lá. E no sábado retrasado ele me encontrou na Arena (da Baixada, estádio do Atlético Paranaense), me acuou no corredor e não me deixava passar. Dizia que eu não entendia nada de comunicação e que os meninos eram muito melhores", contou.

Esse mesmo torcedor era conhecido de alguns amigos de Rhaíssa que o alertaram sobre o comportamento abusivo, frisando inclusive que ele poderia ser prejudicado por conta dessa atitude. "Depois desse alerta, o cara começou a comentar nossos vídeos elogiando o canal. Acho que nos xingou pelo simples fato de não aceitar que mulheres falem de futebol."

Mas nem só de homens é feita a torcida do Furacão. Segundo Rhaíssa, a presença feminina é muito grande nos estádios e as mulheres comparecem em peso para apoiar o clube. "As mulheres sempre estão presentes na Arena da Baixada e discutem futebol de igual pra igual. Não tem essa de 'baixar a orelha' pros homens, nem nada. A gente não está ali pra embelezar o estádio, mas sim para torcer porque torcemos igual a eles", afirmou.

VEJA EPISÓDIO ESPECIAL DO TRÉTIS POR ELAS SOBRE AS TORCEDORAS DO ATLÉTICO PARANAENSE

Mesmo com grande público feminino acompanhando o Atlético Paranaense, Rhaíssa não vê o clube promovendo ações especiais visando o público para além das habituais datas comemorativas (Dia Internacional da Mulher e Dia das Mães).

"No Dia da Mulher eles entregam uma florzinha, no Dia das Mães eles levam as mulheres no CT, aquelas coisas de sempre. Não tem nada além disso. Mas acho que a relação do Atlético com toda a torcida é bem difícil, não só com as mulheres", revela Rhaíssa.

#TorcerÉHumano

Uma das bandeiras que os integrantes da Trétis TV defendem é o fim da medida proposta pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR)  – e que o Furacão de forma voluntária abraçou –  de proibir a presença de torcedores adversários nos jogos realizados na Arena da Baixada.

A medida está em vigor desde o dia 16 de maio, quando aconteceu a primeira partida das oitavas de final da Copa do Brasil entre Atlético Paranaense e Cruzeiro. Com isso, os torcedores dos outros clubes brasileiros não estão permitidos a frequentar a Arena da Baixada em um setor específico para visitantes – com policiamento, faixas, bandeiras e as camisas de seus times.

A determinação ocorreu com o intuito de testar a torcida única, tentando evitar brigas, desentendimentos e confusões entre os torcedores – que já ocorreram na própria Arena, devido aos torcedores irem infiltrados na torcida atleticana.

(Foto: Divulgação/Trétis TV)

A medida desagrada a maioria dos torcedores atleticanos que por meio de campanhas e abaixo-assinados tem pedido o fim dessa imposição. "A gente não entende essa proibição. Parece que é mesmo pra afastar o torcedor do estádio", opinou Rhaíssa.

A TretisTV criou a campanha #TorcerÉHumano e tem utilizado a hashtag em suas postagens (incentivando os demais torcedores a fazerem o mesmo) com o intuito de mostrar que todos têm direito de torcer vestindo a camisa do time de preferência, em qualquer ambiente e com segurança.

"A própria torcida atleticana tem instruído os torcedores adversários a entrarem pela Coronel Dulcídio (espaço que era reservado para os visitantes). E aí a gente explica que ali naquele espaço eles estarão mais seguros. Grande parte da torcida do Atlético é contra essa medida", revela Rhaíssa.

Assim como Rhaíssa, Larissa Raysel é uma torcedora apaixonada pelo seu time do coração. Ela mora em Curitiba, mas torce pelo São Paulo e no dia 09 de junho esteve na Arena Baixada para torcer pelo Tricolor. A medida de "Torcida Única" já estava em vigência, mas Larissa foi ao estádio da mesma forma, ao lado dos amigos.

Torcedores do São Paulo presenciaram a queda de um tabu de 36 anos ao vencer o Furacão em casa pelo Brasileirão (Foto: Rubens Chiri/SPFC)

"Fizemos tudo o que foi possível para evitar conflito. Chegamos hiper cedo para entrar bem no jogo. Dentro do estádio, uma situação nos chamou a atenção. Os seguranças que estavam no nosso setor nos pediam que ficássemos em silêncio. Nós estávamos torcendo normalmente. Se tinha algum torcedor do Atlético no setor em que estávamos, estava sozinho e descaracterizado. Como éramos poucos (uns 100), os seguranças tentaram nos calar, dizendo que 'era para nossa segurança'. Argumentamos que na 'recomendação' do MP, nada era dito sobre torcer, apenas sobre a roupa", relatou.

Larissa viu o jogo ao lado de seus amigos no setor visitante e combinaram de entrar no estádio com o maior número de torcedores possível para correrem menos riscos. O grupo foi à Arena da Baixada totalmente descaracterizado, sem roupas que remetessem ao time, mas fizeram questão de torcer dentro do estádio.

Torcedores do São Paulo presentes na Arena da Baixada (Foto: Divulgação)

"Além de estar presente em uma vitória do São Paulo, era a quebra do tabu e tinham tentado nos impedir de estar lá. Vivi uma sensação única, de verdade", recorda a torcedora afirmou torcer com tranquilidade. "Não fosse aquele segurança, teria sido como se nem sequer tivesse recomendação do MP nenhuma."

Vale recordar que no dia 19 de julho torcedores do Internacional foram retirados da Arena da Baixada ao comemorarem o gol marcado pelo time. Os torcedores colorados estavam infiltrados na torcida atleticana (saiba mais aqui)

O Atlético Paranaense ocupa a 11º posição no Campeonato Brasileiro e briga pelo título da Copa Sul-Americana. Seu próximo adversário na competição internacional será o Caracas da Venezuela no dia 19 de setembro, em partida válida pelas oitavas de final do torneio.

(Foto: Marcelo Manera/AFP Photo)

A torcida sabe que o apoio ao time é fundamental e a arquibancada tem respondido à altura. A Arena da Baixada, a casa do Furacão, é grande responsável por garantir pressão aos adversários e impulsionar o time em busca das vitórias.

Neste ano, a torcida viu o time oscilar durante o Campeonato Brasileiro e também presenciou troca de treinador, mas o time se encontrou em campo e os atleticanos tem motivos de sobra para comemorar a boa fase. A equipe venceu os três últimos jogos do Brasileirão em casa, derrotando favoritos como o Flamengo (3×0) e o Grêmio (2×1).

"Comecei o ano muito otimista, achando que o Furacão ficaria entre os cinco primeiros colocados do Campeonato Brasileiro, mas agora já me animo se ficarmos entre os 10. Mas acredito muito ser possível conquistar o título da Sul-Americana", afirma Rhaíssa.

É claro que o clube sabe o quanto é importante contar com o apoio do torcedor, mas é curioso e ao mesmo tempo absurdo saber que os torcedores adversários são proibidos de fazer o mesmo por seus times na Arenada Baixada.

É importante citar que o artigo 2 da Declaração Universal dos Direitos Humanos diz: "Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição".

Para assinar o abaixo-assinado contra o Projeto Torcida Única, clique aqui, uma inciativa do blog 'Diga não à torcida única', criado por advogados e estudantes de Direito.

Conheça mais sobre as mulheres que fazem parte do "Trétis Por Elas"

Quem são elas?

Rhaíssa Silva, 26 anos

Thays Bonfim, 24 anos

Fernanda Oliveira, 26 anos

Como surgiu seu amor pelo futebol e pelo Atlético-PR?

Rhaíssa: Veio de família, principalmente do meu pai. Ele não gostava muito de ir ao estádio, mas hoje em dia eu frequento bastante. Ele até diz que sou mais fanática do que ele esperava que eu fosse.

Thays: Começou acho que como a maioria: por influência do meu pai. Ele sempre foi um torcedor roxo do Atlético e para ficar mais perto dele sempre assistia junto aos jogos. Quando era criança ele me levou ao estádio com toda a família e eu fiquei encantada com a torcida. Como costumo dizer, antes de aprender sobre o futebol, eu aprendi a torcer. Treinei na Escola Furacão na época que tinham turmas para meninas e depois futsal na escola. Isso me ajudou muito a entender mais sobre. Além disso, sempre gostei de acompanhar a Copa do Mundo e ver o Brasil ser penta deu um gostinho a mais. A partir daí foi natural, você começa a assistir, a acompanhar, entender e gostar. Cheguei a torcer pela Itália no tetra deles em 2006 por gostar do jeito de jogar.

Thays com o pai torcendo pelo Furacão (Foto: Divulgação)

Fernanda: Se eu disser que lembro o momento, certamente estaria mentindo. Acho que meu amor pelo Atlético surgiu antes mesmo de eu nascer, quando ainda estava na barriga da minha mãe. Só sei que, quando me dei por gente, estava na Arena da Baixada, gritando e torcendo pelo Furacão. Em relação ao futebol, comecei a gostar mais do esporte como um todo quando tive idade pra entender o jogo, as estratégias e táticas. Isso se deu muito por conta do meu pai, Luiz, que é aficionado pelo esporte.

 

Qual a importância do trabalho de vocês na Tretis Por Elas?

Rhaíssa: Ele vem com a ideia de desmistificar esse papo que mulher não gosta e não entende de futebol. A gente veio pra mostrar para as mulheres que elas tem espaço no futebol e onde quiserem. E o nosso programa tem espaço para qualquer mulher que quiser sentar e participar conosco.

Thays: Para mim é mostrar que mulher entende, gosta e tem espaço para falar de futebol, sim! Só para conquistar espaço no estádio já é difícil. Sempre fui aos jogos com meu pai e só conversavam e escutavam a opinião dele sobre o time. Depois que ele deixou de ir por não estar mais na cidade, eu ia sozinha no estádio e foi difícil até me sentir aceita e ouvida ali. Com a Trétis por Elas podemos fazer isso pra torcida inteira e mostrar para as outras meninas que elas também podem ser ouvidas e não estão sozinhas.

Fernanda: Imensurável. Acredito que nosso trabalho é importantíssimo pra mostrar que a mulher tem sim espaço em todo lugar, inclusive no futebol.

Qual o jogo inesquecível do Atlético-PR pra você? 

Rhaíssa: Atlético x São Caetano em 2001, quando ganhamos o título nacional.

Thays: Antigo, com certeza o jogo da final do campeonato de 2001. Apesar de ter apenas 7 anos, lembro muito bem de estar na casa do meu tio com bexigas e bandeiras, ficar o jogo inteiro no nervoso de ganhar até sair o gol que nos fez campeões. Depois foi só alegria, sair na rua na caçamba da caminhonete do meu pai comemorando pela cidade.

Thays festejando o título do Campeonato Brasileiro quando criança (Foto: Divulgação)

Atual, o jogo contra a Universidade Católica na Libertadores de 2017. Acho que enfartei umas mil vezes. A pressão foi enorme, além do fato de uma hora estar classificado e outra não. Lembro da minha irmã me mandando mensagem desesperada minuto a minuto sobre o que podia acontecer. Foi um dos jogos mais emocionantes e de teste cardíaco que eu já vi, e isso que é o futebol.

Fernanda: Tenho dois jogos inesquecíveis. O primeiro foi Atlético x Paraná, pela série B de 2012, o jogo do nosso retorno à Série A, e o jogo contra o Universidad, no Chile, pela Libertadores de 2017. Foram dois jogos onde a emoção aflorou e eu quase não aguentei de tanto nervosismo.

Qual seu maior ídolo no Furacão?

Rhaíssa: Sicupira e Nilson Borges. Eles são incríveis e eu tenho a possibilidade de conversar com eles. Até me emociono só de falar.

Rhaíssa ao lado do seu ídolo, Nilson Borges (Foto: Divulgação)

Thays: Washington, Alex Mineiro e Marcão. Porque foram os que eu vi jogar e me marcaram quando criança. Deles, o Washington me marcou mais. Nunca esqueço que em 2004 ele bateu o recorde de gols do campeonato brasileiro, com 34 gols. Lembro disso porque anotei em um caderninho, ao lado da figurinha dele, cada gol que marcava. Foi um jogador que me conquistou e eu torcia muito, até depois que deixou o clube.

Fernanda: Alex Mineiro. O cara que nos deu o título brasileiro de 2001.

E o que espera para a equipe no ano de 2018?

Rhaíssa: Eu espero que a gente seja campeão da Sul-Americana, e eu acho que dá.

Thays: No começo do ano eu achava que iríamos ficar entre os 5 na tabela, mas aí devido aos obstáculos já estava crente na batalha pra não cair. Com a ascensão do time agora com o Tiago Nunes, acho que só temos a crescer. Acredito que podemos até ganhar a Sul-Americana.

Fernanda: Em 2018 eu já esperei de tudo. No começo do ano estava otimista, pensando em uma classificação para a Libertadores. No meio do ano eu estava pessimista, pensando que cairíamos para a série B. Agora estou otimista de novo, pensando em uma boa colocação no campeonato brasileiro e boa campanha na sul-americana.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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