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Elas se uniram pelo amor à bola e lutaram por um espaço no futebol

Renata Mendonça

31/08/2018 12h03

Foto: @CarolXRibeiro

Algumas nunca haviam chutado uma bola antes, outras sonhavam em ser jogadoras de futebol desde criança. Havia também quem sempre quis jogar alguma coisa, mas nunca soube bem o quê, nem teve oportunidade para testar.

Hoje, já dá para dizer que aquilo que os campos de São Paulo uniram, é difícil separar. Elas já são com certeza centenas, talvez milhares e poderão em breve ser milhões de mulheres que buscaram seu espaço para jogar e hoje ocupam os gramados para fazerem valer aquele mantra de que "lugar de mulher é mesmo onde ela quiser".

Só que antes de contar a história dessas mulheres, é preciso entender um pouco esse contexto.

Foto: @CarolXRibeiro

As chamadas "peladas" durante a semana, aquele futebolzinho sagrado dos homens, é algo muito frequente para eles, mas quase inexistente para elas. A cultura de se encontrar para praticar um esporte juntas infelizmente é pouco comum para as mulheres adultas.

Há inúmeras explicações sociais para isso: mulheres não são incentivadas a praticar esporte (muito menos o futebol) quando crianças; são cobradas por uma jornada dupla assumindo todo o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos em casa; e elas precisam ter uma preocupação maior do que os homens com relação à segurança – e não é tão simples encontrar um espaço público seguro para praticar esporte, especialmente durante à noite.

Foto: Divulgação

Os números comprovam essa realidade: segundo uma pesquisa do IBGE de 2015, 83% (OITENTA E TRÊS PORCENTO) da população feminina acima de 15 anos não pratica nenhum esporte. Nada, nem mesmo caminhada como atividade física. Um dado um tanto quanto alarmante.

Mas é importante ressaltar que já é possível avistar uma luz no fim desse túnel escuro do sedentarismo feminino. Nos últimos anos, surgiram diversos movimentos para unir mulheres em torno de um esporte – especialmente do futebol, a paixão nacional.

Até pouco tempo atrás, ainda que quisesse começar a jogar bola ou aprender a chutar, a mulher adulta não tinha muita opção: não havia onde, nem com quem jogar. Era difícil encontrar um grupo de mulheres dispostas a se reunir toda semana para um futebol de 1h ou 2h depois do expediente. Era quase impossível achar uma quadra que as recebesse.

Mas essa realidade já começou a mudar. Hoje, em São Paulo, por exemplo, podemos citar bons exemplos de lugares em que as mulheres se uniram para jogar e agora nada as tira do futebol sagrado de toda semana. Alguns oferecem até aulas/treinos para quem está querendo aprender. E, finalmente, é possível encontrar também campeonatos amadores para elas jogarem (como a Tango League e o campeonato Neymar Jr's Five, que criaram categorias exclusivamente femininas neste ano).

Vamos a alguns exemplos:

Pelado Real

O projeto surgiu em 2011, com algumas meninas que queriam tornar frequente a experiência de jogar futebol. O número de interessadas foi crescendo e aí houve a ideia de se criar "turmas de futebol" dividindo as mulheres por nível e proporcionando a elas também a experiência de ter um pouco de treino, além do jogo – o que possibilitou também a aproximação de algumas que nunca haviam jogado bola e tinham receio de tentar.

O nome é sugestivo e tem origem exatamente na popular "pelada" dos homens. Se eles jogam "pelada", elas podem jogar "pelado" – foi essa a brincadeira que criou um dos projetos mais antigos de São Paulo que reúne mulheres para jogar bola.

 

Ouvi que quando chove o treino mia #sqn #soupeladeira ⚽️♀️❤

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Hoje, são mais de 200 alunas divididas em treinos em três regiões da capital paulista: Barra Funda, Santo Amaro e Vila Prudente. O curioso é que a presença delas chegou até mesmo a mudar a postura de algumas dessas quadras para acolher melhor as novas peladeiras que estavam ocupando os gramados.

"Em uma das quadras que a gente treinava, tínhamos turmas todos os dias jogando lá, só que o espaço não tinha vestiário feminino, só masculino. As mulheres tinham que se trocar em um banheiro minúsculo. Aí, com a nossa presença lá, eles construíram um vestiário enorme no estacionamento", contou Júlia Vergueiro, presidente do Pelado Real, que hoje também conta com turmas infantis só para meninas aprenderem a jogar futebol.

Se você tem vontade de começar a jogar com elas, é só se inscrever aqui.

Joga Miga

O Joga Miga é um projeto que incentiva mulheres a começarem a jogar futebol. A fundadora dele, Nayara Perone, começou a jogar bola tardiamente porque sempre cresceu com a ideia que ainda é tão repetida por aí de que "futebol é coisa de menino". A chance que teve para jogar apareceu somente aos 25 anos e, a partir daí, ela não largou mais.

Foto: @CarolXRibeiro

Com o desejo de criar um espaço em que as mulheres pudessem se sentir à vontade para aprender a jogar do zero, Nayara começou juntamente com outras amigas o "Miga FC", um time que, desde a criação, sempre teve duas regras imprescindíveis, como ela mesma descreve: "Todas as atletas devem se respeitar e se ajudar. Ninguém é reserva, todo mundo que está conosco nos campeonatos joga."

Inicialmente, eram 12 jogadoras, hoje já são 30 no time, que já se expandiu para um projeto maior: o Joga Miga.

"Em 2017 iniciei um treinamento solo de futebol e achei interessante levar isso para o Miga FC, pois tínhamos muita dificuldade de entrosamento e coisas mais básicas do futebol como um esquema tático definido, saber se posicionar corretamente em quadra, dentre outros detalhes que quem não conseguiu ter uma base de futebol não tem noção exata. Então consegui uma quadra aos sábados e levei o professor para dar as aulas de futebol. Desde então muitas meninas apareceram para jogar também e ficaram treinando conosco", conta Nayara.

Foto: dibradoras

"A idéia sempre foi manter os treinos sem fins lucrativos, num preço justo e um lugar acessível. Hoje temos diversas atletas, desde iniciantes que começaram a chutar a primeira bola conosco até as que já jogam desde criança, separadas por níveis nas turmas. Tentamos ao máximo trazer uma experiência boa para todas, focar em ensinar de fato e dar experiências reais de futebol."

Atualmente, são cerca de 100 atletas que fazem parte do Joga Miga e são divididas em três turmas: duas que treinam aos sábados perto da Barra Funda e uma que treina às terças no Belém. O que fazer para começar a jogar? Nayara explica:

"Primeiramente, basta querer. Não precisa saber, nem ser craque – mas se for craque, também pode. E aí enviar uma mensagem no Instagram ou entrar em contato pelo site que direcionamos para as turmas e explicamos os detalhes".

Madalenas F.C.

Outro lugar que passou a acolher mulheres que tinham vontade de jogar toda semana foi o Madalenas FC. Um grupo de mulheres que se reúne em uma quadra de uma escola pública na Vila Madalena todas as terças e quintas para jogar bola. No início, era difícil juntar um número bom de jogadoras para dar conta das 2h de quadra. Hoje, a procura é tanta que tem até lista de espera.

Foto: Divulgação

"A gente se conheceu em outro futebol e não gostávamos da administração lá, porque era muito caro e não tinha um clima legal. Resolvemos nos arriscar alugando uma quadra pelo menos 3 meses pra ver se rolava fazer nosso próprio time. Queríamos que fosse extremamente inclusivo, pelas más experiências de ir conhecer outros times que eram muito competitivos e não davam abertura para quem não sabia jogar, ou estava fora de forma sem jogar há muitos anos, geralmente desde a época do colégio (como sabemos as mulheres não são incentivadas a fazer esportes coletivos após a época da escola)", contou Mariel Meira, uma das fundadoras do time.

"Então fizemos uma organização em que mantemos mensalistas para garantir o pagamento da quadra e por isso elas têm prioridade na lista pra jogar. As avulsas completam as vagas livres. Mas em quadra todas tem as mesmas oportunidades no dia do jogo: as 25 primeiras da lista que jogam bem e que não jogam ou estão enferrujadas se misturam num sorteio por ordem de chegada na quadra, pra evitar panela, para promover integração, aceitação, respeito e empatia. Também faz parte ir pro bar tomar uma cervejinha após os jogos pra honrar o nosso nome Madalenas Futebol e Cerveja".

Quem quiser jogar com elas, é só entrar em contato pelo Instagram ou Facebook.

Campeonatos

Essa luta das mulheres por espaço no futebol fez com que alguns campeonatos passassem a finalmente olhar para elas. E, neste ano, pela primeira vez, duas competições tradicionais do futebol amador criaram categorias exclusivamente femininas: o Neymar Jr's Five e a Tango League.

No caso da Tango, uma competição em que o drible vale tanto quanto o gol em termos de pontuação, havia a possibilidade de inscrever um time misto, com mulheres e homens, até o ano passado. Mas muitas meninas pediam para que houvesse uma categoria só delas. "Os caras que jogavam contra nós muitas vezes não gostavam de tomar drible de mulher e chegavam pesado, davam entradas mais duras, na maldade. Não era legal", contou uma das meninas do torneio.

Foto: Divulgação

Neste ano, a primeira etapa do feminino já contou com 12 equipes. A segunda acontecerá no próximo dia 6 de setembro, e as inscrições estão abertas aqui.

"Acho de suma importância um campeonato amador desse nível da Tango. Eu não tinha visto nenhum, só o do Neymar, que também foi o primeiro ano com competição feminina. Acho muito importante porque a gente consegue ver muitas meninas boas disputando esse campeonato. Dá para montar vários times fortes e mostrar que a mulher pode fazer parte e se incluir no futebol. A gente tem um preconceito muito grande, mas essas competições ajudam a mudar esse cenário", disse Tatinha, que foi campeã da primeira etapa com o Damas da Bola.

Damas da Bola, campeão da primeira etapa da Tango League (Foto: Divulgação)

Entre os grupos de mulheres que se reúnem em São Paulo para jogar futebol, ainda podemos citar o Donas da Bola, Le Sisters, TPM, Boleiras, entre outros. Se tiver mais dicas de times ou campeonatos amadores para mulheres, não hesite em deixar nos comentários.

 

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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