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As imagens mais marcantes de uma mudança histórica na Copa da Rússia

Renata Mendonça

09/07/2018 05h34

Faltam ainda quatro jogos para a Copa do Mundo terminar, mas já é possível dizer que o Mundial da Rússia entrou para a história de uma forma diferente – especialmente para as mulheres. Houve muitas estreias, muitas "primeiras vezes", e um sinal de que uma mudança importante aconteceu – e ela parece não ter mais volta.

Nunca na história desse torneio se viu um protagonismo tão grande para elas. Aliás, nunca se falou tanto sobre mulheres em uma Copa do Mundo, que é um evento tão majoritariamente masculino, ainda feito por homens para homens e, infelizmente ainda vivenciado principalmente por homens. No entanto, o Mundial de 2018 talvez seja o primeiro que efetivamente tenha sido delas também.

Porque finalmente, suas vozes foram ouvidas (e ecoadas, até, nas transmissões narradas por mulheres na televisão), e sua presença foi notada. Chegamos quase que empurrando a porta para dizer: estamos aqui – demoramos, mas finalmente chegamos. E, se o clichê costuma repetir que "uma imagem vale mais que mil palavras", aí vão algumas das mais marcantes dessa Copa que comprovam uma mudança histórica em curso. 

1- Iranianas e Sauditas pela primeira vez no estádio

Foto: Fifa

O futebol é uma paixão inexplicável, e imagens como essas mostram por que ele está longe de ser "só mais um esporte". Logo nas primeiras partidas desta Copa do Mundo, algo histórico pode ser presenciado nas arquibancadas: mulheres sauditas e iranianas estavam ali tendo a primeira experiência da vida delas dentro de um estádio.

Isso porque, na Arábia Saudita, torcedorAs eram proibidas de frequentar jogos de futebol até o início deste ano. No Irã, essa proibição por lei ainda existe, e muitas acabam dando um jeito de "driblar" a segurança (se vestindo de homens, por exemplo), para conseguirem viver sua paixão de perto.

A Copa representou a liberdade para elas, que puderam torcer, vibrar, e até chorar na arquibancada ao lado de familiares e desconhecidos que compartilhavam com elas a mesma paixão.

"A experiência foi maravilhosa, um sentimento incrível. Foi nossa primeira vez no estádio. É maravilhoso ver ali as pessoas todas juntas, sem qualquer distinção", afirmou às dibradoras uma dupla de iranianas que havia acabado de presenciar a partida entre Portugal e Irã.

Foto: Reuters

Foto: Reuters

2 – Narrações femininas

A Copa de 2018 também entra para a história como a primeira a ter jogos narrados por mulheres no Brasil. A Fox Sports foi responsável por transmitir os principais jogos da competição com narrações femininas, algo inédito no país em Mundiais. Isabelly Morais, Manuela Avena e Renata Silveira foram as vozes do canal para as transmissões que romperam todas as barreiras possíveis do preconceito: para quem achava que futebol era coisa só para homem, a Fox chegou a fazer transmissões apenas com mulheres narrando, comentando e reportando.

E não foi só o Brasil que finalmente apostou em vozes femininas na narração. No Reino Unido, também houve a estreia de uma mulher comandando os microfones em transmissões de partidas desta Copa do Mundo – foi o caso de Vicki Sparks, narradora da BBC neste Mundial.

Diretamente do estádio, ela era o ponto que destoava de uma tribuna de imprensa repleta de homens, mas abriu um espaço que não tem mais volta. Elas foram as primeiras das muitas que virão por aí inspiradas justamente em suas vozes. Até que em um dia não muito distante, poderemos dizer que "estranho" é não ouvir nenhuma mulher narrando jogos de futebol.

Foto: Maddie Meyer/Getty Images

Vanessa Riche, Isabelly Morais e a goleira Bárbara fizeram a transmissão de Brasil x Suiça pela Fox Sports 2 (Foto: Fox Sports/Divulgação)

3 – Os casos de assédio: o que era "brincadeira" virou coisa séria

Como muita gente não cansou de reproduzir, em 2014 houve alguns casos de assédio em repórteres que estavam trabalhando na cobertura do Mundial. Todos eles viraram piada, uma brincadeira entre os apresentadores e o público, que levavam tudo no bom humor, no "faz parte do jogo".

Foto: Reprodução

Mas em quatro anos, ainda bem, muita coisa mudou. Os tempos são absolutamente outros e já não é mais possível aceitar beijos forçados no meio de uma transmissão (quando a repórter está tentando executar seu trabalho) ou mesmo rir deles. Não à toa, os diversos casos que aconteceram neste ano na Rússia, tanto com repórteres brasileiras (Júlia Guimarães, da Globo, e Laura Zago, da CBF TV), quanto com jornalistas de fora (o caso emblemático de Julieth Theran, da Colômbia), viralizaram de maneira negativa e geraram revolta tanto das vítimas envolvidas, quanto das emissoras e do próprio público em geral.

Ainda houve a polêmica dos vídeos de brasileiros fazendo russas repetirem frases sexuais ou repetindo "em festa" ao redor delas uma expressão racista e machista (b***** rosa). O caso repercutiu tão mal, que houve até demissões de alguns caras envolvidos nas gravações.

Concluindo: nunca se falou tanto sobre assédio na Copa do Mundo. E nunca se riu tão pouco dele. Mais uma grande conquista!

4 – Banco de comissão técnica com presença feminina

Foto: Getty

A Croácia vai jogar a semifinal da Copa do Mundo contra a Inglaterra na quarta-feira. Vale muito reparar no banco da comissão técnica do time – se é que você já não fez isso ao longo dos últimos cinco jogos. Há uma mulher sentada ao lado dos homens como parte integrante da equipe que comanda a seleção croata.

A "intrusa" chama-se Iva Olivari, que atua nos bastidores da seleção desde 1992 e hoje ocupa um cargo como de "gerente-geral" da equipe, algo similar ao que Edu Gaspar faz na seleção brasileira. "O fato é que vivemos em uma comunidade bastante tradicional, onde o futebol é considerado um esporte predominantemente masculino. Mas eu há muito tempo percebi que a única maneira de mudar isso era arregaçar as mangas e provar com trabalho", afirmou ela.

Hoje, infelizmente, a presença de uma mulher no banco da comissão técnica de uma seleção na Copa ainda é notícia, porque é raridade. Mas quem sabe no próximo Mundial a presença delas neste posto também se torne mais "natural" e cause menos surpresa.

5 – Torcer, vibrar, amamentar

Para fechar, não poderia haver imagem mais simbólica do que essa. A argentina Vanesa amamentava sua filha Florencia enquanto sofria vendo o jogo dos hermanos contra a Nigéria. Ela foi flagrada nesse clique de Hernan Zenteno, fotógrafo argentino que estava na praça San Martín em Buenos Aires registrando a torcida vibrando com sua seleção mesmo de longe.

A torcedora argentina gritando, alentando, e amamentando nesta imagem representa o grito de liberdade de todas as mulheres por direitos que deveriam ser básicos: o direito de ser tratada como igual, seja na rua ou na arquibancada. E o direito de poder alimentar seus filhos sem o julgamento social que muitas vezes lhes é reservado.

Mais um "golaço" da Copa do Mundo da Rússia. Sinal de que os tempos estão finalmente mudando e de que daqui 4 anos, no Catar, um país ainda mais fechado para as mulheres, elas deverão ter um protagonismo ainda mais significativo.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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