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A transformação da torcida brasileira na Copa da Rússia

Renata Mendonça

04/07/2018 09h50

Foto: CBF

*Por Renata Mendonça, de Samara (Rússia)

Quem nunca criticou aquele velho canto "Eu sou brasileiro com muito orgulho, com muito amor", que atire a primeira pedra. Não que ele fosse de todo ruim, mas nunca representou a tradição de uma torcida de futebol. Em 2014, na Copa do Mundo do Brasil, diante de milhares de torcedores argentinos, chilenos, uruguaios e tantos latino-americanos que estiveram por lá, os brasileiros acabaram "decepcionando" por não conseguirem levar o clima de arquibancada que seus rivais traziam para os jogos do Mundial.

Quatro anos se passaram e, por mais incrível que pareça, é na Rússia que essa história parece estar mudando de vez. Com a presença massiva dos brasileiros (Brasil foi o terceiro país que mais comprou ingressos para este Mundial), as ruas, metrôs e ônibus do país sede da Copa estão sendo tomados por torcedores de verde e amarelo, cantando e empolgando os torcedores de outros países que não estavam acostumados com essa festa.


Como jornalista na Copa de 2014, não vi nem de perto a mesma organização e o mesmo clima que a torcida brasileira está mostrando neste ano na Rússia. Os gritos fora e dentro da arquibancada no Brasil eram fracos e nada criativos. Um "Brasil, Brasil", o "Sou brasileiro com muito orgulho", e nada muito além disso.

Nos trens, vi argentinos fazendo festa a caminho do estádio, mas nem de perto havia a mesma efusividade por parte dos brasileiros. O melhor esboço que eu vi de resposta ao tal "Brasil decime que te siente" criado pelos rivais foi o eco dos "Mil gols, mil gols, mil gols…". Mas era isso e só.

Quatro anos depois, acompanhei dois jogos do Brasil na Rússia e o que presenciei aqui foi diferente de tudo que já vi em termos de seleção brasileira. Fazer festa para recepcionar ônibus chegando na cidade, cantar em frente ao hotel com sinalizadores e fumaça, tudo isso seria nada mais que o normal se estivéssemos falando de um clube no Brasil. Mas não dá para negar que é novidade com a seleção brasileira.

A presença da torcida em hotéis da seleção é até comum, mas em geral é só para pedir autógrafos e tirar fotos. Mas o  que se viu em São Petersburgo, com torcedores "abraçando" o ônibus da seleção e fazendo uma recepção digna daquelas que vimos  em jogos de Libertadores foi especial. Depois, veio o jogo contra a Sérvia em Moscou e o espetáculo visto no metrô da capital russa. O vídeo dos brasileiros cantando nos corredores e escadas rolantes viralizou e resume bem o clima que a torcida do Brasil finalmente está levando para os jogos: clima de estádio, clima de torcida de verdade. Em Samara, palco das oitavas de final da seleção, o cenário não foi diferente.

Torcida lotou bar em Samara na concentração antes do jogo do Brasil

Um bar foi reservado para a concentração dos brasileiros antes do jogo e já ali entre os cantos empolgados dos torcedores senti pela primeira vez com a seleção o que costumo sentir antes dos jogos do meu time: aquela ansiedade, vontade de cantar, de apoiar, de ser o 12º jogador em campo.

No caminho para o estádio, mais festa, brasileiros parando a avenida movimentada pra cantar "Brasil Ole Ole", a música criada para essa Copa, os ônibus cheios com gritos animados junto dos mexicanos em uníssono: "América Latina, menos Argentina", e a festa que um jogo de futebol e um time com tanta história como a seleção brasileira merecem. Tudo perfeito até chegar ao estádio.

Lá dentro, mesmo sendo maioria, a torcida brasileira ainda fica mais tímida se comparada a dos rivais latinos. Os mexicanos gritaram mais alto na maior parte das vezes, não dá para negar. Ainda assim, por algumas vezes foi possível ouvir o "Brasil Ole Ole Ole" e também uma provocação aos mexicanos como "No se puede", quando eles começaram a gritar "Si se puede", ainda acreditando na classificação.

Mas é fato que infelizmente a arquibancada da Copa do Mundo ainda não é uma arquibancada típica de torcida. Ela mescla torcedores com espectadores, aqueles que não são tão fanáticos por futebol, mas gostam do espetáculo de luxo no qual o Mundial se transformou. Por conta disso, é difícil envolver todo mundo na missão de cantar e incentivar durante os 90 minutos – ali, tem cerveja pra beber, foto pra tirar, copo pra colecionar…são muitos atrativos aos espectadores que ainda veem o "torcer" como apenas mais um item do espetáculo.

De qualquer forma, é preciso reconhecer e valorizar o que está acontecendo na Rússia. Claro que a Copa ainda é um evento caro e pouco acessível para 99% da população brasileira, mas há muitos entre os que estão em território russo tentando transformar essa terra em algo com um pouquinho de Brasil – e do melhor do Brasil, da sua tradição no futebol. São alguns movimentos que funcionam quase que como "organizadas" que estão liderando essa transformação da torcida brasileira na Copa.

Luiz foi autor da famosa música "Brasil Ole Ole", que pegou nessa Copa

Movimento Verde Amarelo, Torcida Canarinho, Segue o Hexa, entre outros, são alguns dos grupos por trás da organização da concentração para os jogos, da recepção para os ônibus e da festa na ida para o estádio. Com instrumentos, bandeiras e principalmente novas e criativas músicas, eles têm conseguido transformar a atmosfera do Mundial em um ambiente muito mais parecido com aquele com que estamos acostumados no futebol.

"Acho que tem dois perfis: o torcedor que está lá pra cantar, vibrar, o outro é o torcedor espectador que está ali pra tomar a cervejinha dele, fica sentado, levanta na hora do gol pra fazer selfie e é isso. Acho que a torcida brasileira hoje ainda é mais composta por espectadores do que por torcedores especificamente. Acho que isso começou a mudar de uns anos pra cá. E acho que agora nessa Copa a coisa começou a engrenar. Minimamente já tem os encontros, as caminhadas até o estádio, a galera se une no estádio pra cantar", disse às dibradoras Luiz Carvalho, autor da música que pegou nessa Copa sobre os 5 títulos mundiais.

"Acho que se começa a ter uma galera puxando, bateria, música pra cantar, minimamente até o cara que tá ali pra tirar selfie, ele acaba cantando uma música ou e começa a torcer de verdade. Acho que esse movimento da torcida vem pra ficar, ainda é pequeno mas está crescendo e a gente não tem dúvidas de que em breve o Brasil vai ter uma torcida vibrante que apoia o time nos 90 minutos."

As mulheres também estão começando a fazer parte do movimento e ocupam as arquibancadas da Rússia com eles, cantando e vibrando junto com as torcidas "organizadas" no país da Copa. Algumas estão ali ao lado dos namorados e maridos, mas há também as que viajaram sozinhas e estão acompanhando os jogos do Brasil em um grupo só de mulheres – é o caso das criadoras do Elas Na Copa, um movimento de mulheres que se reuniram para curtir a experiência do Mundial juntas.

Entre as que estão acompanhando a torcida nas concentrações e recepções da seleção brasileira, elas contam que a experiência tem sido única.

"Acho que dá uma energia diferente, de arrepiar. Quando a torcida se une e faz aquela festança dá uma coisa de garra, uma animação diferente. Acho que quando uma música pega, consegue atingir até quem não se envolve tanto", disse Giselle, que está acompanhando o Movimento Verde Amarelo na Rússia.

Giselle e o marido estão acompanhando a torcida nas concentrações e no estádio

"Acho que é um movimento que tem que acompanhar a grandeza do time, da história da seleção brasileira. A torcida tá tentando acompanhar isso. As pessoas de outros países são muito fãs da seleção e aí acho que temos que ter essa expressão também na torcida. Nos times no Brasil as torcidas são grandiosas, e na seleção não é dessa forma, mas acho que esse movimento ta conseguindo mudar isso", opinou Elazir, que também faz parte do movimento.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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