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Mulheres deixaram de ser coadjuvantes e iniciam era de protagonismo na Copa

Renata Mendonça

28/06/2018 09h40

Mulheres brasileiras reunidas para acompanhar o Mundial da Rússia (Foto: Renata Mendonça/dibradoras)

A Copa do Mundo ainda é um evento feito por homens e "para homens". Não é que ela não seja para todos, mas na prática são eles ainda os grandes protagonistas do espetáculo. Entre jogadores, comissões técnicas, jornalistas, narradores, comentaristas, torcedores, são eles que estão em esmagadora maioria.

Mas hoje já é possível dizer que há uma mudança em curso. Em 2018, na Copa da Rússia, mulheres assumiram de vez protagonismo em diversas áreas que raramente apareciam. Está sendo a primeira Copa narrada e comentada por mulheres, estamos vendo mulheres comandando coberturas, mulheres ocupando até mesmo bancos de comissão técnica de seleções e finalmente estamos vendo também elas aparecerem nas arquibancadas.

São muitas mulheres que vieram para a Rússia para acompanhar esse Mundial – claro, ainda um número bem abaixo dos homens, mas que já começa a ser notado. Principalmente porque talvez essa seja uma das primeiras vezes que vimos mulheres "sozinhas" na Copa, sem a companhia de maridos, namorados e afins. Entre as brasileiras que vieram à Moscou, houve até um grupo só de mulheres organizado para uma viagem delas – o movimento "Elas Na Copa" reuniu mulheres de todos os cantos do país para viajar à Rússia e acompanhar o Mundial.

Na última quarta-feira, na frente do estádio do Spartak onde aconteceria o jogo Brasil x Sérvia, encontramos algumas mulheres em grupos sem qualquer presença masculina. Uma "novidade", talvez?

"Acho que  ainda causa uma certa repulsa em algumas pessoas, tipo 'nossa, estão indo só vocês?' ou 'mas você vai porque realmente gosta de futebol?', sabe? E a gente gosta muito de futebol! Viemos em quatro mulheres para cá porque queríamos viver essa experiência", disse Heidimilene Rocha, de 31 anos.

Heidimilene e Layla são de Brasília e planejaram a viagem com um ano de antecedência (Foto: Renata Mendonça/dibradoras)

"Acho que a gente saiu de uma era em que as mulheres só acompanhavam os homens no futebol para um momento em que elas realmente gostam, e têm liberdade para isso. As mulheres estão se apropriando do que gostam e se sentindo livres para fazer o que quiserem", completou.

Layla também acredita que um problema que afasta as mulheres brasileiras dos estádios é a falta de segurança, com as brigas de torcida sendo uma realidade frequente no Brasil.

"Acho que as mulheres vão menos ao estádio no Brasil e estão vindo mais na Copa por se sentirem mais a vontade, pela organização, pela segurança. Eu mesma sou apaixonada por futebol, mas não frequento muito estádio no Brasil por medo", afirmou.

Sônia De Jesus foi outra que decidiu vir para a Copa apenas com uma amiga e estão vivendo essa experiência pela primeira vez. No jogo contra a Sérvia, elas extravasaram de vez na comemoração dos dois gols do Brasil em meio à imensa multidão da torcida brasileira que ocupava o estádio. As duas são flamenguistas, também foram torcer pelo Brasil no jogo contra a Costa Rica e depois partirão para um cruzeiro.

Sônia de Jesus é de Aracaju e está vivendo a experiência da Copa do Mundo ao lado de uma amiga (Foto: Angélica Souza/dibradoras)

Já Luiza Goedert e Renata Antunes têm a Copa como programa de família. Elas já foram a duas edições do Mundial e contam que notam a presença feminina aumentando.

"Meus pais viajam pra Copa desde 1998, aí fui com eles pela primeira vez em 2010 e agora estou aqui de novo. Acho que ainda é um ambiente bem masculino, mas está mudando um pouco", disse Luiza.

"Tem mais mulher aqui do que na época da África do Sul, com certeza, mas acho que depende muito do país que vai sediar a Copa. Eu acho que aqui pela proximidade com a Europa, por ser mais fácil, as mulheres se sintam mais seguras de virem sozinhas, entendeu? Mas na África, realmente quase não tinha mulher", pontuou Renata, que foi aos últimos dois Mundiais e está em seu terceiro agora.

Luiza Godert mora em Florianópolis e Renata Antunes em Belém. As duas já participaram de outras edições de Copa do Mundo (Foto: Renata Mendonça/dibradoras)

Cobertura

Assim como ainda são minoria na arquibancada, as mulheres também são raras na cobertura jornalística de uma Copa do Mundo. A repórter da Folha de S. Paulo Camila Mattoso registrou essa diferença na sala de imprensa do estádio Spartak horas antes do início da partida entre Brasil e Sérvia. O local estava absolutamente lotado, mas era quase impossível encontrar uma mulher em meio à multidão de homens ali.

Conversando com a repórter do Globoesporte.com, Amanda Kestelman, ela também notou a ausência de mulheres na cobertura nos estádios que tem frequentado na Rússia. "É impressionante como a gente não vê mulheres trabalhando nas salas de imprensa e zonas mistas dos estádios. Fiquei um pouco impressionada com isso", pontuou.

Apesar disso, os números mostram que essa é a Copa com maior representação feminina da história na cobertura jornalística. Na Argentina, por exemplo, elas são apenas 10 de 220 homens credenciados, mas são o dobro do que eram em 2014. Além disso, há um protagonismo maior das mulheres, que pela primeira vez estão atuando em posições inéditas para elas: na narração e nos comentários.

A Alemanha e o Reino Unido tiveram pela primeira vez uma mulher narrando jogos da Copa e a América Latina teve pela primeira vez uma mulher comentando jogos na TV – Viviana Villa pela Fox Sports americana e Telemundo.

Na Globo, também é possível notar o protagonismo das mulheres na programação, com Fernanda Gentil, Renata Vasconcelos, Sandra Anemberg e Ana Paula Araujo participando dos principais programas do canal trazendo notícias e informações da Copa do Mundo.

E até mesmo a organização do Mundial conta pela primeira vez com um comando feminino. Duas coordenadoras gerais do evento são mulheres: Jo Fernandes e Priscilla Janssens.

Equipe da Rede Globo conta com suas principais jornalistas na cobertura da Copa: Fernanda Gentil, Sandra Annemberg, Ana Paula Araújo, Glenda Koslowski e Renata Vasconcellos (Foto: Reprodução Instagram)

É importante ressaltar também que a representatividade feminina aumentou na Fifa com Fatma Samoura, a primeira mulher a ocupar o cargo de secretária-geral, um dos mais importantes da entidade, que tem demonstrado maior preocupação em garantir mais diversidade no futebol. Hoje em dia, há um departamento específico na Fifa para pensar nisso e em Moscou foi aberta pela primeira vez a Casa da Diversidade da Copa, um espaço onde é possível encontrar um pouco da história do futebol feminino, da participação de jogadores LGBT no esporte, entre outras coisas.

Em análise feita e divulgada pela entidade maior do esporte sobre a audiência das emissoras durante a Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil, constatou-se que as mulheres representaram 40% da audiência televisiva do Mundial. Um dado importante da FIFA que ilustra como o interesse feminino pelo futebol é grande.

Fatma Samoura, secretária-geral da FIFA (Foto: Site FIFA)

Sendo assim, apesar das dificuldades, do preconceito e de a Copa do Mundo ainda ser um evento majoritariamente masculino, há ótimos indícios de que essa cenário está se transformando. As mulheres começam a deixar um papel mais coadjuvante como apenas acompanhantes de seus maridos ou namorados para exercerem um protagonismo importante. E quanto mais ocuparem esse espaço, mais inspirarão as meninas de hoje a serem como elas no futuro: narradoras, comentaristas, dirigentes, torcedoras, e o que mais quiserem.

A Copa é legal demais para ficar restrita somente a um gênero. Que cada vez mais ela seja do mundo todo, como o próprio nome diz.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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