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Em 2018, a Copa 'descobriu' as mulheres

Renata Mendonça

06/06/2018 07h08

Luisa, atleta do sub-13 do Centro Olímpico, participou da campanha da Nike (Foto: Divulgação)

Elas sempre estiveram lá. Desde as memórias mais primórdias que se têm de Copas do Mundo, as mulheres sempre figuraram nas imagens da torcida ou no som das arquibancadas marcando presença nos jogos, mesmo que ainda como minoria em meio a uma multidão de torcedores.

Na tragédia de 1950, é possível encontrá-las na plateia perplexa do Maracanã, com aquelas expressões incrédulas por presenciarem uma derrota histórica e inesperada para o Uruguai na final. Em 1958, já existem imagens dos rostos femininos em comemorações do título brasileiro. Aquelas mulheres ricas que acompanhavam seus maridos nos jogos e levavam seus lencinhos para torcê-los de nervoso – aliás, é daí que vem o termo "torcida", "torcedora" e "torcedor".

Os tempos foram evoluindo, e elas passaram a ocupar também os microfones como repórteres na cobertura esportiva das Copas do Mundo, ainda que com um espaço restrito.

Mas apesar disso, até hoje essa presença feminina em Copas do Mundo passou muito despercebida, até mesmo ignorada. Você ligava a televisão para ver um jogo, somente homens narrando, comentando, reportando. Nas mesas-redondas após as partidas, idem. Aí vinha o intervalo e, junto com ele, os comerciais – e em época de Copa, até produto de limpeza dá um jeito de inserir o tema futebolístico nas propagandas -, mas nem nessa hora as mulheres apareciam.

Os veículos publicitários tão pensados e elaborados para o Mundial nunca relacionaram as mulheres com o evento. Eram sempre homens vendo os jogos, torcendo, jogando, vibrando. Era como se a Copa fosse um evento exclusivamente masculino, feito por homens e para homens.

Só que haveria um tempo em que finalmente isso iria mudar e, aparentemente, 2018 pode representar uma nova era nos comerciais futebolísticos. As principais patrocinadoras do Mundial e/ou da seleção brasileira desta vez incluíram em suas peças mulheres – não apenas como coadjuvantes, mas como personagens, que jogam junto com os caras um futebol tão bonito quanto o deles. Que compartilham o campo com eles.

A Nike, patrocinadora da seleção e de tantos nomes importantes do futebol mundial, incluiu Luisa Fontes, atleta do sub-13 do Centro Olímpico (time tradicional de futebol feminino em São Paulo), em sua campanha "Brasileiragem" lançada na última semana. A propaganda, que já está sendo veiculada na televisão e soma mais de 2 milhões de visualizações no Youtube, mostra a garota "dibrando" com Neymar, tocando a bola para a imagem dele pintada em um muro na capital paulista.

Ao lado de craques como Philippe Coutinho, Marquinhos,  Willian e Thiago Silva, além do próprio Ronaldo Fenômeno, que protagoniza a fatídica cena que ficou famosa no comercial de 1998 no aeroporto, a menina faz parte do jogo com a habilidade que já lhe é peculiar aos 12 anos de idade.

Em nota enviada às dibradoras, a diretora de marca da Nike para futebol, Barbara Casara afirmou que "A missão da Nike é levar inspiração e inovação aos atletas em todo o mundo. E para nós, se você tem um corpo, você é um atleta. Por isso, é um movimento natural incluir mulheres em uma das campanhas mais importantes da marca para 2018, o filme "Vai na Brasileiragem".

A Adidas, patrocinadora oficial da Fifa, também incluiu mulheres na seleção de craques que faz parte do seu lançamento de campanha global para a Copa, a "Create the Answer". De David Beckham a Gabriel Jesus, de Salah a Messi, a marca reuniu dezenas de atletas consagrados e inseriu entre eles Lindsey Horan, jogadora da seleção americana de futebol, e a representante do freestyle, Caitlyn Schrepfer. A propaganda toda é um show de ~dibres e da melhor habilidade – tanto dos jogadores envolvidos, quanto das jogadoras.

O gerente de relações públicas da Adidas no Brasil, Bruno Almeida afirma que "o esporte tem o poder de mudar vidas e aplicamos isso a tudo o que fazemos. Incluindo mulheres em campanhas oficiais da marca, estamos estimulando que mais mulheres e meninas pratiquem esportes como o futebol e, consequentemente, possam evoluir também em outros âmbitos de suas vidas.".

Já a Coca Cola escolheu o slogan "Quem dá o gás para quem dá o gás" e utilizou ninguém menos que Alex Morgan, jogadora consagrada dos Estados Unidos, no discurso de empoderamento: "Disseram que futebol não era coisa para nós". Depois, uma cena de preleção de futebol feminino amador com a capitã pedindo o "gás" da equipe. E ao longo de todo o vídeo, chama a atenção a mescla de imagens de mulheres e homens jogando ou torcendo.

Pode parecer apenas um detalhe ver três dos principais anunciantes de comerciais que passarão repetidas vezes na televisão ao longo da Copa do Mundo incluindo mulheres em suas peças publicitárias. Mas basta analisar como eram as propagandas nos últimos Mundiais para se entender um pouco da importância dessa representatividade. Faça o exercício e tente achar mulheres nos comerciais das marcas acima citadas durante as Copas. As pouquíssimas que aparecem estão no papel de torcedoras (isso quando aparecem). Jogar futebol em uma propaganda sempre foi algo exclusivo dos homens.

E não é só "um comercial sobre futebol". É uma oportunidade de chamar também a menina para o jogo (como diz nossa campanha aqui). É mostrar para aquelas que estarão vendo os jogos da Copa pela TV, que o campo também pode ser delas. É uma forma de fazer a menina se ver e se sentir parte do futebol.

Em 2018, não são só as propagandas que estão mudando. Pela primeira vez, haverá narração feminina de jogos do Brasil em um Mundial – protagonizadas por três narradoras escolhidas pela Fox Sports no projeto "Narra Quem Sabe". Haverá também a primeira mulher latino-americana a comentar jogos de Copa – a argentina Viviana Vila será a pioneira no canal Telemundo, emissora americana voltada para o público hispânico do país. São barreiras que começam a ser quebradas.

As marcas estão despertando agora para a importância também da presença feminina nesse meio ainda tão masculino. E o olhar delas é importante porque é dali que pode vir o investimento e a visibilidade que os esportes femininos precisam para crescerem e se desenvolverem mais. Esperamos que na Copa do Mundo do ano que vem, aquela que é "só" delas, haja ainda mais destaque para o futebol das mulheres nas propagandas e afins.

Leia mais: A importância da presença de uma jogadora na divulgação da nova camisa da seleção

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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