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Corinthians, o “respeito às minas” precisa ir além do clubismo

Renata Mendonça

14/05/2018 04h00

Foto: Divulgação Corinthians

Nos últimos anos, o Corinthians foi um dos grandes clubes brasileiros que mais fez pelo futebol feminino. Em uma parceria com o Audax, o time voltou a investir nas mulheres e, a partir de 2018, optou por abraçar o projeto sozinho montando um timaço que está invicto no Campeonato Paulista e faz excelente campanha no início do Brasileiro.

O investimento é alto, a estrutura é sensacional. As jogadoras fazem questão de exaltar isso, elas contam com a mesma estrutura do masculino no preparo físico, no acompanhamento médico e nutricional, etc, etc. Recentemente, elas ainda participaram de uma campanha interessante do marketing com o intuito de chamar a atenção para os preconceitos sofridos pelas mulheres que jogam futebol. E em março, tanto as jogadoras, quanto os jogadores, vestiram em campo uma camisa com os dizeres – mais que necessários – #RespeitaAsMinas.

Estava tudo muito bom até o clássico contra o Palmeiras neste domingo. Uma vitória por 1 a 0 na Arena Corinthians que originou um "simples" tuíte para lá de clubista, para lá de machista, para lá de contraditório, para lá de DESNECESSÁRIO.

"#RespeitaAsMinas #SemMimimi", tuitou o perfil oficial do Corinthians com um link para a matéria sobre o Palmeiras – e, mais precisamente, sobre Leila Pereira, dona da Crefisa, patrocinadora do time alviverde. "Leila explica aditivos, diz que teve R$ 80 milhões de prejuízo e avisa: 'Palmeiras já está no lucro'", dizia a manchete da reportagem tuitada.

Tuíte foi retirado do ar após cerca de 3h no ar

É difícil até entender o que leva o responsável pela conta corintiana a querer enviar essa mensagem depois de mais uma vitória em cima do maior rival. Quem ele está querendo atingir? Quem ele está querendo ofender? E o quão incoerente é usar a hashtag que o próprio Corinthians endossou pedindo respeito às mulheres no 8 de março para "ironizar" o rival fazendo "piada" com a mulher envolvida e usando o gênero feminino como uma "provocação"?

Então o Corinthians quer "respeito às minas" desde que elas sejam corintianas? O respeito não vale para as mulheres torcedoras ou patrocinadoras do rival?

É tão contraditório que faz parecer que o clube quer apoiar as mulheres apenas quando convém. Para fazer marketing e entrar na "onda do feminismo" que se espalha por aí.

E é ainda mais contraditório quando vemos o trabalho que o próprio Corinthians tem feito com o futebol feminino. Um trabalho que precisa ser elogiado, porque é fora de série se comparado ao que outros clubes grandes do país fazem. Inclusive se comparado ao que o próprio Palmeiras faz pelo futebol feminino – que, até o momento, é nada, já que o time ainda não se movimentou para investir na modalidade em cumprimento ao novo regulamento da Conmebol que exigirá uma equipe feminina aos times que disputarão a Libertadores em 2019.

Mas não adianta investir, dar estrutura e o tal "respeito" que as mulheres merecem no futebol se internamente a mudança de cultura não acontecer. O Corinthians como um todo, em todos os departamentos, precisa olhar para esse tuíte e entender o quanto ele é errado, o quanto ele vai contra o que o próprio clube tem pregado e praticado. Não é só o departamento de futebol feminino que precisa se indignar, ou as torcedoras – que se manifestaram bastante pelas redes sociais -, é todo mundo. Foram necessárias algumas horas de muitas críticas ao clube para que o tuíte fosse apagado. O pedido de desculpas e um posicionamento vieram também mais para o fim da noite.

Campanha feita pelo Corinthians para o time feminino (Foto: Divulgação)

"O Sport Club Corinthians Paulista retirou do ar o tweet que utilizou a #RespeitaAsMinas devido a interpretação negativa que parte de sua torcida e de vários dos coletivos feministas com os quais se relacionou para construir a campanha. Em nenhum momento o objetivo da postagem foi ofender ou diminuir a importância da luta pela igualdade entre homens e mulheres em qualquer contexto. Em respeito ao lugar de fala das mulheres que se manifestaram, o clube pede desculpas aqueles e aquelas que tenham  se ofendido e reitera seu compromisso com essa luta que é de todos", afirmou o clube por meio de nota.

Bom que o clube se manifestou, mas é bom reforçar também que não houve "interpretação negativa" do tuíte corintiano. Houve um tuíte negativo mesmo. O erro foi de quem escreveu isso na postagem, e não de quem a interpretou. Precisamos parar de "pedir desculpas aos que se sentiram ofendidos" e pedir desculpas de verdade pelo erro cometido, assumindo a responsabilidade dele.

Conversamos com algumas jogadoras da equipe feminina, que se mostraram decepcionadas com essa manifestação "infeliz" por parte do clube. Falamos também com responsáveis pelo departamento feminino, que estavam ainda apurando o que aconteceu para se manifestarem.

Entre as torcedoras (e torcedores) a revolta foi nítida. Pura e simplesmente porque não condiz com as próprias atitudes do clube, que, na prática, tem feito avanços no "respeito às minas". Mas não dá para jogar tudo isso fora por conta de um clubismo exagerado.

A "zoeira" é válida, faz parte do futebol, só que o respeito, como o próprio Corinthians fez questão de pregar na campanha do 8 de março, também deveria fazer. E o respeito às minas não pode parar apenas em um dia do ano – ele precisa ser permanente. E precisa ir além dos portões de casa.

Respeita as minas, Corinthians. Esse respeito precisa estar acima de qualquer rivalidade.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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