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Quebra de tabu e vitória para o São Paulo resgatar sua grandeza

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04/04/2018 09h53

*Por Roberta Nina

Com meus 35 anos recém-completados, reencontrei essa relíquia no meio das minhas camisas de futebol neste final de semana. A blusinha infantil, manchada do tempo, recorda a infância. Não só a minha, mas também de meu irmão. Nós dois vestimos esse uniforme em nossos primeiros anos de vida incentivados pelo nosso pai. E foi ali, tocando aquela camisetinha que eu fui resgatando o passado e revivendo a mais recente eliminação do São Paulo em um jogo de mata-mata.

Nasci em 1983, mas meu interesse por futebol só surgiu no final da década de 80 e início de 90. Naquela época, com quase oito anos, não havia jejum são-paulino, muito pelo contrário. Havia festa, vitórias, Telê Santana, conquistas da América, Interclubes, clássicos vencidos com facilidade, bandeirão, Morumbi para 100 mil pessoas e etc. Claro que, como era uma menina, não pude viver tudo isso presencialmente no estádio, mas as minhas lembranças infantis guardam cada conquista histórica, comemoradas na madrugada vendo o time no Japão ou durante um aniversário de 18 anos de meu irmão mais velho (era dezembro de 1992, no mesmo dia em que o São Paulo se tornava campeão paulista e berrava "chora porco imundo, o tricolor é campeão do mundo" nas arquibancadas).

O São Paulo ficou um bom período sem ganhar um grande título no final dos anos 90 e início dos anos 2000, mas não se compara ao que vivemos hoje. Os títulos brasileiros, a terceira Libertadores e o terceiro Mundial salvaram nossa década e ainda ganhamos de presente um dos maiores jogadores da história do clube: Rogério Ceni, o goleiro artilheiro.

Poder acompanhar o jogador 01 em campo é algo que nenhum torcedor poderá entender. A gente se sentia representado, seguro, confiante com Ceni vestindo nossas cores. Ver um goleiro marcar gols é para poucos, se for por mais de cem vezes então, esqueça. Só eu e minha torcida vivemos isso. O caminhar do goleiro para cada cobrança de falta ou de pênalti deixa saudade. A agitação de nossa arquibancada não se preocupava com azares e superstições. "É caixa", liga a câmera do celular, pode filmar, ele vai fazer o gol. E por muitas vezes foi assim. O rosto chegava a doer tamanho era o sorriso que se dava após suas cobranças. Fui bem feliz!

Ou seja, até os 25 anos de idade, eu vi o meu clube ganhar tudo que foi possível com menos de 100 anos de fundação. Acham pouco? Não é. A nossa história é grande demais e não merece, nem por um momento, ser resumida a nada por conta um mísero jejum de nem 10 anos (na história há registros de anos de fila beeem maiores, inclusive).

Talvez, minhas últimas alegrias pelo São Paulo vieram mesmo de Rogério Ceni. Os gols marcados, entre eles o centésimo contra o Corinthians em 2011, a campanha do Campeonato Brasileiro em 2014 quando fomos vice-campeões após um ano medíocre em 2013, a entrega do jogador com mais de 40 anos em sua última Libertadores quando o Cruzeiro nos derrotou nos pênaltis nas oitavas de final de 2015 e, por fim, sua aposentadoria. No dia do adeus, com o Morumbi totalmente escuro e envolvido por bandeiras e fumaças vermelhas, lembro de ter agradecido aos deuses do futebol por me darem a possibilidade viver essa história. Ali no campo estavam todos os meus heróis das duas décadas mais vitoriosas do clube e que eu pude acompanhar. Uma noite memorável para o futebol, sem sombra de dúvidas.

Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress

Depois disso, nada mais me preencheu. As idas ao estádio continuam, às vezes com mais ou menos frequência, muitas derrotas doloridas – em campo e na gestão – e números acachapantes que provam, sem deixar dúvidas, que atualmente nós somos o clube que mais perde para seus rivais diretos, que mais troca de treinadores nos últimos anos, que menos acreditou em seus jogadores de base.

O São Paulo que eu nunca vi é este que há quase uma década não renova minhas esperanças e briga, ano sim, ano não, com o rebaixamento. É o clube que mais vende seus talentos sem oferecer uma sequência de jogos para que os garotos se tornem ídolos do clube que os formou. Casemiro, Luis Araújo, David Neres são exemplos mais recentes. É o clube onde a disputa interna pelo poder está acima do amor às nossas três cores. É a torcida empurrando um time para que ele não caia na vala comum.

A última eliminação para o Corinthians doeu, mas não me deixou com raiva. Com um treinador recém-contratado (mais um!) neste início de temporada, a equipe venceu o primeiro jogo da semifinal do Paulista com uma vitória simples, sem futebol vistoso, mas efetivo. O segundo jogo também caminhava bem, até os 47 do segundo tempo. A disputa nos pênaltis acabou com nossas remotas chances de título, mas diante desse início de temporada (7 vitórias, 2 empates e 7 derrotas) já não era possível sonhar com tanta convicção.

Foto: Rubens Chiri / saopaulofc.net

O que me deixou mais satisfeita foi ver como o time se portou bem nas duas partidas decisivas. A aplicação tática, a marcação forte, as tentativas de contra-ataque (posição que ainda depende de um centroavante) e de colocar a bola no chão me deram um alento. Gostei de ver os novatos Militão, Liziero e até mesmo Lucas Fernandes em campo. Esses meninos precisam sentir a pressão, o gosto amargo da derrota e a vontade de vencer. Liziero, por exemplo, recém-promovido da base, jogou muito bem as duas partidas, foi impecável. Deu o azar de perder o último pênalti, mas é na derrota que se adquire sangue nos olhos e isso é obrigação do São Paulo proporcionar aos seus garotos. Quero poder assistir mais nosso atacante Brenner em campo, quero presenciar novos Silas, Mullers e Lucas nascendo no Morumbi.

A base do São Paulo tem se destacado e conquistado títulos importantes para a categoria ano a ano. Em janeiro, o sub-20 disputou a final da Copa São Paulo de Futebol Júnior contra o Flamengo e foi vice-campeão. Não podemos esquecer de Igor Gomes, Helinho e Jonas Toró que se destacaram na competição e podem se juntar aos profissionais a qualquer momento.

Nesta quarta-feira, o São Paulo que eu nunca vi entra em campo contra o Atlético Paranaense, clube que eu nunca vi ser derrotado pelo tricolor lá no Paraná. Brigamos por um título que eu nunca vi ser conquistado, a Copa do Brasil e, depois de tantos anos decepcionantes, acho que nunca vi um time que possa se dar tão bem em um mata-mata como esse.

Basta jogar com a aplicação tática da semifinal do Paulista, reconhecendo suas limitações e com uma proposta de jogo bem definida para enterrar de vez o passado de derrotas e o jejum de títulos. Precisamos de uma chance para renascer e a hora tem que ser essa.

Eu estou morrendo de saudades do São Paulo que eu sempre vi jogar e quero que ele volte a ser a luz dos meus olhos o mais rápido possível. Cansei de buscar e encontrar a essência do meu time de coração apenas com olhos fechados.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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