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Brasil ainda está muito atrasado no futebol feminino, diz Vadão

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03/04/2018 10h10

Foto: Divulgação CBF

Prestes a enfrentar seu maior desafio desde que voltou à seleção brasileira de futebol feminino em setembro de 2017, o técnico Vadão reconhece o favoritismo do Brasil frente às equipes sul-americanas que disputarão o título da Copa América a partir desta semana no Chile.

Em entrevista às ~dibradoras, ele afirma que "não dá para fugir do favoritismo", mas será preciso confirmá-lo na prática, jogando o melhor futebol dentro de campo. A competição é classificatória para a Copa do Mundo da França no ano que vem e também para a Olimpíada de 2020, em Tóquio – vencê-la seria essencial não só para confirmar as vagas, mas também para confirmar a hegemonia no continente – em sete edições do torneio desde 1991, o Brasil só não ganhou em 2006, quando viu a Argentina ser campeã.

A seleção brasileira estreia nesta quinta-feira, às 19h, contra as rivais hermanas e a partida será transmitida pelo Facebook oficial da competição.

Mas apesar de ver a seleção como favorita contra as rivais sul-americanas, Vadão também admite que, diante das principais potências do futebol feminino, o Brasil ainda está bastante "atrasado".

"Acho que a realidade do futebol feminino está melhorando, mas ainda estamos muito atrasados. Aqui na América a gente é superior ainda, mas quando vamos para o Mundial ou Olimpíada, é bem diferente. A gente não pode nem ter comparação. As meninas lá fora começam a jogar desde 6 anos de idade", pontuou.

Foto: Divulgação CBF

"Mas aqui só se cobra da CBF. O governo não tem plano para o futebol feminino, nas escolas nao tem nem educação física. Então por enquanto nós não temos nem condição de comparar."

Na conversa com as ~dibradoras, ele falou sobre seu retorno após a polêmica saída de Emily, sobre a ausência de mulheres na comissão técnica, e sobre as voltas de Formiga e Cristiane à seleção.

Veja os principais trechos da entrevista:

~dibradoras: Como você avalia a preparação para a Copa América? A seleção optou por não fazer jogos ou amistosos nesse tempo antes do torneio, por quê?

Vadão: A preparação foi muito boa dentro das nossas possibilidades. Das 22 convocadas, 10 participaram o tempo todo, e outras vieram nas datas Fifa. Não tivemos a seleção completa na preparação, como foi para a Olimpíada, com a seleção permanente. Mas não fizemos questão por não ter todo mundo aqui. A gente entendeu que as jogadoras que estão jogando, que é a maioria, estão em ritmo de jogo. A gente sempre inclui jogos-treino, íamos fazer dois com equipes masculinas, mas acabamos não fazendo para não expor as atletas a lesões. Ainda assim, perdemos a Bruna Benites, a Ludmila e a Fabiana, que estão lesionadas, e a Andressa Alves voltou com um probleminha que está tratando também.

A gente não sabia que a Copa América seria data Fifa, então não sabíamos se teríamos o time com as jogadoras que atuam fora do Brasil e não nos preparamos nesse sentido (de fazer amistosos). Nunca tinha acontecido de a gente não jogar antes de uma competição.

Tivemos um ganho físico, aprimoramos demais o trabalho de força, elas estão mais rápidas, mais fortes, mais potentes. Acho que faltou amistoso mesmo. Fizemos opção em virtude dos problemas que enfrentamos. Mas o que me dá segurança é que a maior parte do grupo estava com a gente há dois anos, elas já sabem como a gente joga.

~dibradoras: Como a seleção brasileira chega para disputar o torneio? Quais você diria que serão os principais desafios dessa competição?

Vadão: A gente espera que todo mundo vá colocar o Brasil como favorito e não temos como fugir disso. Temos um time tecnicamente superior. Mas isso não é relevante em virtude do que é a competição, então o primeiro passo é levar a sério todos os adversários. O que vence o jogo não é quem é melhor, é quem joga melhor. Temos que impor nossa melhor competição. Acho que os dois concorrentes mais fortes são Colômbia e Chile do lado de lá. E na nossa chave somos nós e Argentina os mais fortes.

~dibradoras: Você trouxe de volta duas jogadoras veteranas importantes, a Formiga, que havia se aposentado (e agora está com 40 anos, mas ainda com fôlego sobrando) e a Cristiane, que tinha deixado a seleção por ter visto como desrespeito a saída da Emily mesmo com o pedido das jogadoras para ela ficar. Como foi a conversa para elas retornarem?

Vadão: Eu chamei a Formiga para conversar e mostrei para ela que para esse campeoanto era importante ela nos ajudar porque a gente ainda não teve uma reposição na função dela, como volante. Temos reposições no ataque, na defesa, mas nesse meio-campo, na função dela, ainda não tem amadurecimento necessário para disputar uma Copa América, uma competição tão importante. Fiz esse pedido pra ela, que ela entendesse o nosso momento, e ela acabou voltando. Quem ganhou muito com isso foi o Brasil. Depois a gente vai decidir a vida para frente.

Foto: Divulgação CBF

O caso da Cristiane foi diferente. Ela fez questão de me ligar na época para dizer que nao tinha a ver comigo o motivo pelo qual ela estava deixando a seleção. Aí a gente conversou, eu disse pra ela pensar melhor, disse que fora ela não poderia ajudar mais a seleção brasileira do que faria aqui dentro, que poderia reivindicar as coisas de dentro, que a CBF está mais acessivel, as coisas estão melhorando. Para você ter ideia, pela primeira vez o marketing da CBF levou a Nike pra discutir uniforme com as meninas. Perguntar que material elas gostavam mais. Então pedi que ela repensasse. E ela acabou voltando.

~dibradoras: Muito se falava de uma evolução tática que estava acontecendo na seleção em 2017. Um jogo com menos chutão pra frente, mais compacto, com bola no pé e muita marcação. Qual é o estilo de jogo que você coloca para as meninas agora?

Vadão: Devemos jogar com um 442, com duas centroavantes, a Cris e a Bia. Ela (Cristiane) vai ter essa liberdade, não vai jogar sozinha centralizada. Vamos jogar com 2 ponteiras e elas duas centralizadas. As duas são muito boas e acreditamos que essa é a melhor forma de aproveitar nosso talento na frente.

Agora eu não compreendi bem todas aquelas críticas, levantamentos táticos que foram feitos. Falavam que a gente dava chutão, mas se você entrar nas estatísticas, todos os jogos na Olimpíada tivemos mais posse de bola – isso nao tem como ter se só tiver chutão. Uma coisa que a gente mudou foram alguns conceitos. Esse conceito do chutão foi uma palavra deselegante, porque nós estudamos todos os adversários. Tivemos um jogo contra Alemanha que tomamos 4 a 0, e a Alemanha permitia que saíssemos com a bola, em seguida abafavam e faziam muita pressão. Era uma característica dessas seleções e começamos a ter dificuldade. Então planejamos que toda vez que os adversários mais fortes começassem a nos pressionar, estrategicamente, a gente jogaria essa bola nas costas da defesa adversária. Fazemos uma jogada mais longa, mais treinada. Mas tudo foi trabalhado, a gente treinava tudo isso. Temos estratégia do toque de bola, da infiltração e também das bolas longas. É mais emergencial, quando se sentir pressionado.

Agora o lançamento, que chamaram de chutão, faz parte da cultura do futebol brasileiro. Na Copa de 1970 fizemos muitos gols assim com lançamentos de Gérson, Rivelino, todos. Acho que tá faltando ler um pouco a história do futebol brasileiro. O lançamento é característico do nosso futebol.

~dibradoras: Você saiu da seleção feminina com uma eliminação nas oitavas do Mundial e na semifinal da Olimpíada. Aí ficou de março a agosto de 2017 no Guarani e foi demitido após resultados ruins na Série B. O que mudou no seu trabalho para chamar a atenção da CBF novamente?

Vadão: Quando eu saí da CBF, meu compromisso verbal era o ciclo olímpico. Quando terminou a Olimpíada, a gente conversou, falei que tinha encerrado meu ciclo, e o presidente falou pra eu ficar um tempo a mais. Ele disse que estava avaliando se colocaria uma mulher, que a Fifa estava pressionando. Então tudo foi conversado abertamente.

Foto: Divulgação CBF

Eu sei que ele gostou do trabalho, não à toa eu estou de volta. Aqui no Brasil se discute resultado. Eu não ganhei nenhuma medalha, mas fui eleito o sexto melhor treinador de futebol feminino pela Fifa – sem nunca ter trabalhado no feminino. Hoje tem 25 atletas da seleção jogando fora do Brasil. Então quando ele me convidou para voltar, eu já estava acertando com a Ponte Preta, mas optei por voltar. Eu voltei porque não é fácil um treinador ter uma segunda oportunidade de disputar um Mundial, uma Olimpíada, isso é um orgulho. Eu estou tendo, não jogaria fora por nada.

~dibradoras: Também muito se fala do fato de a seleção feminina nunca dar espaço a treinadores que trabalham no futebol feminino. Você chegou na sua primeira passagem em 2016 sem essa experiência. Você acompanhava o futebol feminino na época? Não acha que seria importante ter pessoas que conhecem a realidade do futebol feminino trabalhando nesse meio?

Vadão:  A escolha de um treinador do masculino pra uma seleção feminina acredito que acontece porque eles têm uma experiência maior. O treinador feminino não tem 0,1% de pressão que o treinador do masculino tem. Ele está mais acostumado com uma cobrança maior, está mais preparado. Não tem como negar isso, o treinador do futebol masculino tem mais preparo que o do feminino pelas circunstâncias.

O que estou dizendo não é o que é certo ou errado, mas é por que acontece, acho que é por causa da pressão. Mas o Arthur (Elias) que está no Corinthians (feminino) é um cara super capacitado. Amanhã se eu sair e entrar o Arthur, vai estar muito bem servido. Acho que tem muita gente boa no futebol feminino que amanhã pode estar aqui. Só que precisará lidar com a pressão de uma seleção.

~dibradoras: A comissão técnica que foi para a Olimpíada em 2016 não tinha mulheres. Isso dificilmente aconteceria no masculino – uma comissão só com mulheres para comandar a seleção masculina. Por que acha que acontece no feminino? Não seria importante a presença de mulheres nessa comissão? A determinação da Fifa agora exige uma mulher na comissão e uma médica pelo menos.

Vadão: Acho que é importante. A Fifa demonstrou essa vontade. Quando eu cheguei, eu não conhecia nada do futebol feminino, então não conhecia nenhuma mulher para chamar para trabalhar comigo. Chamei só o Fabrício (auxiliar) porque ele tinha essa experiência do futebol feminino. A CBF já pensava nisso antes, hoje nós temos a Bia (Vaz, ex-jogadora) aqui. A própria Formiga eu já tinha convidado pra ela ficar depois da Olimpíada se eu permanecesse no cargo. E se você analisar, a Emily veio e nao tinha mulher também na comissão, só tinha a coach (Sandra Santos). Por que ela optou por isso? Porque ela também entendeu que eram pessoas que poderiam colaborar com ela melhor nesse momento.

Comissão técnica de Vadão para a Olimpíada de 2016 (Foto: Divulgação CBF)

~dibradoras: Agora que você já viveu alguns anos trabalhando na modalidade, o que mais te surpreendeu no futebol feminino? E como você vê a realidade da modalidade hoje?

Vadão: Acho que a vontade que as meninas têm de treinar e aprender me surpreendeu, elas são muito superiores aos homens nesse sentido. No masculino, a gente tem o recreativo, o rachão, mas com as meninas elas nem gostam de rachão, preferem o treino tático. O que impressionou foi essa gana de aprender, de correr atrás. Às vezes elas até escondem contusão para treinar, escondem uma dorzinha que pode ser importante porque não querem largar o treino.

E sobre a realidade do futebol feminino, acho que está melhorando, mas ainda estamos muito atrasados. Quando vamos pro Mundial, Olimpíada, é bem diferente. A gente não pode nem ter comparação. Houve melhora, o Campeonato Brasileiro melhorou, tem Série B, temos um Paulista muito bem organizado, tem coisa melhorando, mas ainda estamos engatinhando.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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