Topo

Dibradoras

Quando a paixão pelo futebol passa de pai para filha

Dibradoras

29/03/2018 13h17

A semifinal entre Corinthians e São Paulo na Arena em Itaquera na última quarta-feira foi digna de "teste para cardíaco", como já diria Galvão Bueno. Um jogo pegado, nervoso, que até os 47 minutos do segundo tempo estava definido em favor do time visitante, que se segurava como podia para fazer valer a vantagem de 1 a 0 conquistada no Morumbi.

Mas nos acréscimos apareceu a cabeça de Rodriguinho livre na área para aliviar a tensão dos 43 mil corintianos que preenchiam a Arena. E, entre eles, estava ela, a pequena Laís, de apenas 11 anos, mas que já viveu metade deles na arquibancada sofrendo, gritando e torcendo pelo Corinthians.

A menina já é rosto conhecido no estádio de tanto cantar durante os 90 minutos de jogo sem parar. Nesta quarta, não foi diferente – o que mudou um pouco foi a tensão do jogo em um clássico que, nos últimos anos, costumava ser tranquilo contra o rival tricolor. Não à toa durante os pênaltis ela meio que se escondeu na arquibancada, assistindo às cobranças por uma pequena brecha entre um torcedor e outro, com medo de ver o que poderia acontecer.

No ouvido do pai, deixou escapar seu otimismo (ou ao menos aquilo que ela queria com todas as forças que acontecesse). "Cássio vai pegar pênalti hoje".

O momento dos pênaltis é o pior do mundo para qualquer torcedor. É aquele em que você coloca toda a sua fé nos pés dos batedores e nas mãos do goleiro, mas sempre com aquela pontinha de desespero, sabendo que em poucos segundos, a esperança pode se transformar em tristeza profunda.

É a hora que você fecha os olhos porque não quer ver, mas abre na hora do apito, porque também não quer perder. A hora em que qualquer ateu entrelaça as mãos e reza para quem for com a confiança de que aquilo pode decidir o destino do time.

Laís fez tudo isso ao mesmo tempo e, na hora que Liziero, o jovem da base do São Paulo, parou nas mãos de Cássio, ela soltou um grito como há tempos não soltava. Um grito de alívio misturado com felicidade e um abraço forte naquele que sempre foi seu fiel companheiro de arquibancada: seu pai.

Como tudo começou

É consenso que praticamente todo homem apaixonado por futebol sonha em um dia ter um filho para compartilhar sua paixão – no estádio, na frente da TV, no dia-a-dia, afinal. Mas quando o filho vem filhA, a história costuma ser diferente, e o pai fica esperando que o próximo seja menino para "poder" executar seu plano.

Não foi esse o caso de Alexandre Lopes de Souza, o Xandy. Quando Laís nasceu, antes de saber se era menino ou menina, ele já sabia que era Corinthians

Os uniformes já vestidos desde o berço e ela tão fácil soltava seu riso mais gostoso quando ouvia o pai cantando na sua frente "Corinthians, Corinthians". Aprendeu o significado do gol muito antes de começar a falar – era aquele grito demorado que vinha da TV e fazia num instante o pai pular do sofá e abraçar quem estivesse na frente (inclusive ela).

Gol significava alegria. Corinthians, nem sempre. Mas os dois juntos eram a maior paixão do pai, e rapidamente viraram também a de Laís. E ela gostava de estar com ele para presenciar esses momentos – e fazer parte deles.

"Ela começou a acompanhar em casa mesmo. Eu sempre assisto aos jogos , então ela sempre ficava comigo no sofá. Aí foi pegando gosto pela coisa. Eu ficava na sala assistindo aos jogos do Corinthians e, quando saía um gol, eu comemorava igual na arquibancada ….e ela vinha comemorar comigo", contou Xandy às dibradoras.

Foi assim, naturalmente, que o futebol passou de pai para filha. Não foi o cromossomo, foi o amor de um para o outro – a outra, no caso.

Quando ainda não havia completado seis anos, Laís conheceu o estádio pela primeira vez. Foi em um Corinthians x Portuguesa em 2011, no lendário (e saudoso) Pacaembu. Era o primeiro jogo do ano, um clássico contra um time tradicional da cidade, e ali ela sentiu o coração pulsar pela arquibancada pela primeira vez. Como era bom comemorar um gol no estádio – foram dois naquele dia. Abraçou Xandy como nunca na comemoração, mas abraçou junto com ele um monte de gente que não conhecia.

"Na hora do gol foi uma emoção dupla. O Corinthians fazendo o gol e ela gritando, me abraçando como se soubesse o que realmente estava acontecendo naquele momento."

Ali, começou a entender melhor a graça desse tal futebol, que fazia seu pai sofrer, sorrir e chorar, tudo junto e misturado, semanalmente. Percebeu que o estádio era um lugar de gritos, de abraços e, se tudo desse certo, de muita felicidade no final.

Foto: Bruno Teixeira Rolo

Dali em diante, Laís nunca mais saiu da arquibancada. A paixão foi aumentando e era como se Xandy estivesse bombeando o sangue dela, que ficava cada vez mais alvinegro. Hoje, com apenas dez anos de idade, a menina já viu dois títulos Brasileiros, uma Libertadores, um Mundial e é bem provável que tenha mais um para comemorar ao final deste ano.

A dupla segue inseparável, só que agora na Arena Corinthians. "Ela prefere ir para Itaquera a ficar assistindo em casa", confessou Xandy. Dá para dizer que puxou o pai.

E, nas arquibancadas da Arena, é difícil que Laís não seja notada. Sobre o ombro do pai, ela ergue seus braços e grita para o setor inteiro ouvir: "Corinthians joga, eu vou…ninguém vai me segurar". Ninguém segura mesmo. A menina não perde o fôlego, nem a voz, e está quase todos os jogos em Itaquera junto com o pai para empurrar o time para mais um título.

Mas futebol vai além das vitórias e derrotas. E, quando perguntamos a Laís o que ela mais aprendeu com o pai no futebol, a resposta foi surpreendente – para nós e para ele.

"Foi o respeito com o time que o outro torce, porque o adversário fica só dentro de campo".

De todas as lições que o futebol traz – os sentimentos, a tristeza, a felicidade, a superação – o mais importante é realmente esse mesmo, que Laís aprendeu e nos ensinou. O respeito – aos torcedores, às torcedoras, e a quem estiver nele.

"Futebol é lazer, é diversão. É o momento em que você não tem chefe, não tem  problema, em que você conversa com quem nunca viu na vida.. Independente se o Corinthians ganhar ou perder, a gente nunca vai abandonar", disse Xandy.

Laís não é um menino, mas hoje é tão apaixonada pelo Corinthians quanto Xandy (ou até mais). Ela virou sua melhor e mais fiel companheira de estádio. Porque quem define a paixão pelo futebol não é o gênero – somos nós mesmos.

 

 

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

Dibradoras